Os postais de José Diogo da Fonseca Guerreiro são, ainda hoje, religiosamente guardados pela família. Tal como os de seu irmão Eduardo, fazem parte de um espólio que conta a história de uma dor profunda, de silêncios, de memórias agora roubadas ao esquecimento, removidas do esconderijo de uma gaveta que as guardou por anos e anos, poupando todos ao trauma e à dor que ainda causavam. Contudo, era agora horade recordar, de esclarecer mistérios, descobrir histórias e verdades.
Respondendo ao nosso apelo e amiga do nosso projecto desde os primeiros momentos, Rosarinho Rodrigues visitar-nos-ia nos Dias da Memória na Assembleia da República, no Collection Day que efectuámos em Outubro de 2014. Com ela viria a sobrinha de José Diogo, conhecida de todos como «a avó Maria Eduarda». Decidida e de espírito vivo, a «avó Eduarda» decidira visitar a exposição “Portugal na Grande Guerra”, onde expusemos alguns dos seus postais familiares… E com ela trouxe ainda o que sabia da vida deste seu outro tio.
Segundo ela, José Diogo pouco ou nada falava da guerra onde perdeu o seu irmão mais novo. Corria na memória familiar a história de que teria sido feito prisioneiro de guerra na batalha de 9 de Abril de 1918. Talvez José Diogo tenha sido mais um prisioneiro da memória daquele terrível dia, que o fez calar a voz e as histórias na garganta e no peito. Talvez tenha mesmo receado o cativeiro em batalha, ou quiçá visto o mesmo, frente aos seus olhos, tal como sucedeu a vários dos seus camaradas médicos, os quais viriam a sofrer a falta de respeito inimiga pelas convenções que resguardavam médicos e padres… No entanto, o seu cativeiro não se confirmou na documentação oficial a que tivemos acesso. Mas a mesma deu-nos a conhecer tanto que não se sabia, e que foi agora descoberto. Uma história que diverge da fatídica narrativa de vida de Eduardo da Fonseca Guerreiro (link), tombado na batalha do Lys, mas uma história igualmente dolorosa, que se traduziria na morte de um e no silêncio sepulcral do outro.
Tal como os seus dois irmãos mais novos, Eduardo e Zacarias, José Diogo também estudou em Coimbra. Formado em Medicina, seria chamado a Lagos por causa das contingências da guerra, já depois de 1916 e da entrada oficial de Portugal naquele conflito. Ali seria incorporado. Zacarias não acompanharia José Diogo e Eduardo até ao quartel e à vida militar, por ter sido vítima de um acidente que lhe deixara a visão comprometida, tendo sido dispensado das suas obrigações militares. Eduardo partiria para França com o CEP. Já José Diogo acabaria por tornar-se médico do Corpo de Artilharia Pesada, conhecido como CAP, partindo algum tempo depois para Inglaterra, onde aquela unidade recebia formação dos seus aliados ingleses.
A ficha de combatente de José Diogo, hoje guardada no Arquivo Histórico Militar, revela-nos um pouco mais acerca do seu percurso. Tenente médico miliciano, inicialmente recrutado para prestar serviço no Regimento de Infantaria 33, partirá em 26 de Setembro de 1917 para Inglaterra, para se apresentar ao 2º Grupo do Corpo de Artilharia Pesada (CAP), que ali recebia formação. Tinha então 28 anos. Estava presente junto ao seu novo grupo de trabalho a 8 de Outubro e pronto para iniciar a sua comissão de serviço.
Com eles permaneceria em Inglaterra até 28 de Fevereiro de 1918. E tal como os seus postais indicam, os treinos do seu grupo seriam efectuados em Lydd (Kent) e em Winchester. Depois foram transferidos para o continente, para a zona de combate. Através do que escreveu denotamos que as notícias chegar-lhe-iam com maior dificuldade vindas de Portugal, sendo preferível receber correspondência vinda de França, pois a mesma demorava menos tempo. Seu irmão Eduardo, que com ele terá trocado cartas e missivas, fornecia-lhe com frequência notícias de casa, incluindo as preciosas recomendações de seu pai. Os dois irmãos permaneciam muito ligados, até mesmo durante a guerra, o que nos recorda o enorme sofrimento que viria a ter com a fatídica morte do seu irmão mais novo.
Além disso, Inglaterra tinha um clima tenebroso que lhe agravava os problemas pulmonares, dos quais chegaria mesmo a queixar-se num postal enviado à mãe. Fazia muito frio e os locais onde se encontrava eram zonas propensas a densos nevoeiros. A 22 de Dezembro de 1917 escreve «Um clima péssimo para os meus pulmões». Partindo para França, não seria enviado para uma zona melhor. Chegaria à frente portuguesa a 4 de Março de 1918. A documentação refere então que foi colocado no sector do Lys, onde permaneceria até 9 de Abril de 1918.
Posteriormente a 9 de Abril, José Diogo terá sido abatido ao efectivo do CAP e colocado como adido no 2º Grupo de Baterias de Artilharia a 25 de Maio de 1918. Foi assim enviado para Ambleteuse, onde se encontrava a sua nova unidade. Foi transferido pouco depois para o 1º Batalhão da Brigada do Minho, brigada essa desfalcada pela terrível batalha do Lys, por ordem datada de 14 de Julho daquele ano. Seguiu para cumprir esta sua nova tarefa no dia imediato.
Em Julho de 1918 seria louvado pela muita dedicação, particular interesse e notável zelo com que efectuou sempre os seus diversos serviços. Em Agosto terá vindo a Portugal em licença de campanha. Quando a mesma se encontrava prestes a terminar, requisitou uma avaliação médica, apresentando-se a uma Junta Privativa do Quartel-general Territorial em 4 de Novembro de 1918 no Hospital Militar Temporário de Lisboa. Esta julgá-lo-ia incapaz de todo o serviço, razão pela qual não regressaria a França.
Depois da guerra José Diogo continuaria a exercer a sua profissão, tendo vivido em Ourique e em Tavira. Casou e teve um filho, ao qual deu o nome de Eduardo, em homenagem ao irmão que havia sido enterrado em Richebourg. Viria igualmente a ser conhecido em Tavira, tal como refere sua sobrinha Maria Eduarda, por exercer medicina, mas apenas para os pobres. E ali viria a falecer, com pouco mais de 80 anos, sem nunca revelar nada dos seus sofrimentos ou memórias daqueles anos de 1917 e 1918.
Respondendo ao nosso apelo e amiga do nosso projecto desde os primeiros momentos, Rosarinho Rodrigues visitar-nos-ia nos Dias da Memória na Assembleia da República, no Collection Day que efectuámos em Outubro de 2014. Com ela viria a sobrinha de José Diogo, conhecida de todos como «a avó Maria Eduarda». Decidida e de espírito vivo, a «avó Eduarda» decidira visitar a exposição “Portugal na Grande Guerra”, onde expusemos alguns dos seus postais familiares… E com ela trouxe ainda o que sabia da vida deste seu outro tio.
Segundo ela, José Diogo pouco ou nada falava da guerra onde perdeu o seu irmão mais novo. Corria na memória familiar a história de que teria sido feito prisioneiro de guerra na batalha de 9 de Abril de 1918. Talvez José Diogo tenha sido mais um prisioneiro da memória daquele terrível dia, que o fez calar a voz e as histórias na garganta e no peito. Talvez tenha mesmo receado o cativeiro em batalha, ou quiçá visto o mesmo, frente aos seus olhos, tal como sucedeu a vários dos seus camaradas médicos, os quais viriam a sofrer a falta de respeito inimiga pelas convenções que resguardavam médicos e padres… No entanto, o seu cativeiro não se confirmou na documentação oficial a que tivemos acesso. Mas a mesma deu-nos a conhecer tanto que não se sabia, e que foi agora descoberto. Uma história que diverge da fatídica narrativa de vida de Eduardo da Fonseca Guerreiro (link), tombado na batalha do Lys, mas uma história igualmente dolorosa, que se traduziria na morte de um e no silêncio sepulcral do outro.
Tal como os seus dois irmãos mais novos, Eduardo e Zacarias, José Diogo também estudou em Coimbra. Formado em Medicina, seria chamado a Lagos por causa das contingências da guerra, já depois de 1916 e da entrada oficial de Portugal naquele conflito. Ali seria incorporado. Zacarias não acompanharia José Diogo e Eduardo até ao quartel e à vida militar, por ter sido vítima de um acidente que lhe deixara a visão comprometida, tendo sido dispensado das suas obrigações militares. Eduardo partiria para França com o CEP. Já José Diogo acabaria por tornar-se médico do Corpo de Artilharia Pesada, conhecido como CAP, partindo algum tempo depois para Inglaterra, onde aquela unidade recebia formação dos seus aliados ingleses.
A ficha de combatente de José Diogo, hoje guardada no Arquivo Histórico Militar, revela-nos um pouco mais acerca do seu percurso. Tenente médico miliciano, inicialmente recrutado para prestar serviço no Regimento de Infantaria 33, partirá em 26 de Setembro de 1917 para Inglaterra, para se apresentar ao 2º Grupo do Corpo de Artilharia Pesada (CAP), que ali recebia formação. Tinha então 28 anos. Estava presente junto ao seu novo grupo de trabalho a 8 de Outubro e pronto para iniciar a sua comissão de serviço.
Com eles permaneceria em Inglaterra até 28 de Fevereiro de 1918. E tal como os seus postais indicam, os treinos do seu grupo seriam efectuados em Lydd (Kent) e em Winchester. Depois foram transferidos para o continente, para a zona de combate. Através do que escreveu denotamos que as notícias chegar-lhe-iam com maior dificuldade vindas de Portugal, sendo preferível receber correspondência vinda de França, pois a mesma demorava menos tempo. Seu irmão Eduardo, que com ele terá trocado cartas e missivas, fornecia-lhe com frequência notícias de casa, incluindo as preciosas recomendações de seu pai. Os dois irmãos permaneciam muito ligados, até mesmo durante a guerra, o que nos recorda o enorme sofrimento que viria a ter com a fatídica morte do seu irmão mais novo.
Além disso, Inglaterra tinha um clima tenebroso que lhe agravava os problemas pulmonares, dos quais chegaria mesmo a queixar-se num postal enviado à mãe. Fazia muito frio e os locais onde se encontrava eram zonas propensas a densos nevoeiros. A 22 de Dezembro de 1917 escreve «Um clima péssimo para os meus pulmões». Partindo para França, não seria enviado para uma zona melhor. Chegaria à frente portuguesa a 4 de Março de 1918. A documentação refere então que foi colocado no sector do Lys, onde permaneceria até 9 de Abril de 1918.
Posteriormente a 9 de Abril, José Diogo terá sido abatido ao efectivo do CAP e colocado como adido no 2º Grupo de Baterias de Artilharia a 25 de Maio de 1918. Foi assim enviado para Ambleteuse, onde se encontrava a sua nova unidade. Foi transferido pouco depois para o 1º Batalhão da Brigada do Minho, brigada essa desfalcada pela terrível batalha do Lys, por ordem datada de 14 de Julho daquele ano. Seguiu para cumprir esta sua nova tarefa no dia imediato.
Em Julho de 1918 seria louvado pela muita dedicação, particular interesse e notável zelo com que efectuou sempre os seus diversos serviços. Em Agosto terá vindo a Portugal em licença de campanha. Quando a mesma se encontrava prestes a terminar, requisitou uma avaliação médica, apresentando-se a uma Junta Privativa do Quartel-general Territorial em 4 de Novembro de 1918 no Hospital Militar Temporário de Lisboa. Esta julgá-lo-ia incapaz de todo o serviço, razão pela qual não regressaria a França.
Depois da guerra José Diogo continuaria a exercer a sua profissão, tendo vivido em Ourique e em Tavira. Casou e teve um filho, ao qual deu o nome de Eduardo, em homenagem ao irmão que havia sido enterrado em Richebourg. Viria igualmente a ser conhecido em Tavira, tal como refere sua sobrinha Maria Eduarda, por exercer medicina, mas apenas para os pobres. E ali viria a falecer, com pouco mais de 80 anos, sem nunca revelar nada dos seus sofrimentos ou memórias daqueles anos de 1917 e 1918.
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