Desde que me lembro, sempre tive um genuíno interesse em saber a "história" da minha família. Quem éramos, o que fizemos e, acima de tudo, se algum dos meus predecessores tinha deixado a sua marca na História do país.
Há três anos soube através de um dos meus cansativos inquéritos que o meu bisavô Alberto havia participado na Primeira Guerra Mundial, enquanto marinheiro. Como não poderia deixar de ser, comecei a questionar os seus filhos, a minha avó materna e o meu tio-avô, eis o que descobri através suas memórias e de um diário de um dos navios onde Alberto serviu o seu país.
Alberto d'Assumpção nasceu a 6 de Janeiro de 1899, na Freguesia da Santa Isabel, Lisboa, filho de Abel d'Assumpção, amanuense do Ministério dos Negócios Eclesiásticos e da Justiça, e de Júlia d'Assumpção. Numa casa da Rua Tomás da Anunciação viveu com seus pais e 6 irmãos, Manuel, Luís, Abel, Hugo, Vasco e Maria Helena, até que em 1912, por castigo do pai, derivado a mau comportamento escolar, é inscrito na Marinha Mercante como "Praticante de Piloto", contava então 13 anos de idade.
Em 1913 é matriculado pela primeira vez no Paquete "Funchal", onde a sua única função consistia em esfregar o convés da popa à proa. Nos dois anos que se seguiram, iria fazer parte da tripulação de mais dois barcos que em nada estariam envolvidos na defesa da costa marítima de Portugal.
Quando a 9 de Março de 1916 é declarada guerra a Portugal, o ainda "Praticante" não se encontrava em nenhum navio. É matriculado no vapor "Minho" (ex-navio alemão "Mogador") a 27 de Julho de 1916, embarcando numa simples viagem de comércio a Bissau. Viagem marcada pela abordagem em alto mar por um navio de guerra, felizmente pertencente à Royal Navy, que, assim, não representou perigo algum.
Entre Novembro de 1916 e Agosto de 1917 faz parte da tripulação de mais dois navios ex-alemães ao serviço do Estado português.
Contudo a sua maior e mais importante ingressão como membro da A.D.M (Secção de Auxiliares de Defesa Marítima, criada a 8 de Maio de 1916 em virtude do baixo número de marinheiros de guerra), que teria a duração de dois anos, estava prestes a começar.
A 15 de Outubro de 1917 parte de São Miguel a bordo do vapor "São Jorge", com destino a Lisboa. A estadia no Cais de Desinfecção de Alcântara serviu para que fossem carregados para o navio os materiais de guerra e víveres que caberiam ao "São Jorge" transportar, de Lisboa a Génova e daí para onde os comboios onde o "São Jorge" se integrava seguissem.
Apesar do foco dado à participação portuguesa na Grande Guerra, incidir no Corpo Expedicionário Português na Flandres e, em segundo plano, na África portuguesa, a Marinha Mercante cumpriu o seu papel com mérito e enfrentando constantes perigos em alto mar.
Alberto d'Assumpção iria aperceber-se disso na viagem que realizaria no mar Mediterrâneo. Desde a sua partida de Lisboa com destino a Génova o "São Jorge" contou com a escolta de pelo menos um destroyer ou um submarino, portugueses ou pertencentes a marinhas aliadas. O diário do "São Jorge" apresenta um vasto registo de momentos periclitantes, como inúmeros avistamentos de submarinos inimigos que subitamente desapareciam, avisos dos navios escoltas para se começarem as manobras de evasão em zigue-zague e os sempre preocupantes pedidos de S.O.S.
As 21h foi recebido um aviso de guerra em que na lat. 37.27º N e long. 9.50º E pairava um submarino, e fomos obrigados a sair fora das instruções. Avistam-se por NO alguns navios dos quais um se vê que acabou de ser torpedeado e que segue escoltado pelos outros em direcção a Bijerte. Um dirigivel e navios aeroplanos como unidades navaes de guerra francezas se veem fazendo evoluções.
Esta foi a entrada que Alberto d'Assumpção escreveu no diário de bordo do "São Jorge" a 1 de Janeiro de 1918 em pleno mar Mediterrâneo. Via pela primeira vez as consequências devastadoras provocadas pela guerra em alto mar.
Após 5 meses em águas mediterrâneas, o "São Jorge" inicia a 23 de Março a sua nova rota, que se manteria até ao Armistício. De Lisboa partia para Bordéus, com material de guerra e víveres, que após descarregados seriam transportados para as várias frentes de combate. Após Bordéus seguia para Cardiff, com o principal intuito de carregar o navio com o máximo de carvão possível, regressando para Lisboa, onde o carvão obtido seria usado como conviesse à Comissão de Abastecimento e Transporte de Tropas.
A Primeira Guerra Mundial acabava e deixava as suas marcas em Portugal, no entanto os esforços do mesmo não cessavam. Mantendo-se ao serviço da Pátria, Alberto d'Assumpção faria parte da tripulação do navio de transporte "Gil Eanes" que estava encarregado de rumar a Brest para que os bravos membros do C.E.P voltassem ao seu país. A bordo do mesmo, recebeu a 5 de Setembro de 1919 a Medalha de Prata (Campanha na Guerra 1916/1918), reconhecimento dos três anos passados no mar, servindo o país.
No entanto, o papel de Alberto d'Assumpção na História de Portugal na Primeira Guerra Mundial ainda não tinha terminado.
A 16 de Dezembro de 1920 é matriculado no paquete "Porto", no que seria um regresso ao quotidiano da vida de um marinheiro mercante. A 18 de Março de 1921 o Governo autoriza a trasladação de dois Soldados Desconhecidos, um vindo de França (Flandres) e outro de África (Moçambique), para o Panteão da Batalha.
O paquete "Porto", escoltado pelo Contratorpedeiro "NRP Guadiana" ficou encarregue de trazer de volta à Pátria, o Soldado Desconhecido que jazia na Flandres. Alberto d'Assumpção com o cargo de Piloto fez parte da tripulação que chegou a Lisboa a 6 de Abril de 1921, acabava de cumprir a sua última missão relacionada com a Primeira Guerra Mundial e a que maior orgulho lhe traria.
O meu bisavô continuaria a sua vida como membro da marinha mercante, chegando a pertencer à Direcção do Sindicato Nacional dos Capitães, Oficiais Náuticos e Comissários da Marinha Mercante em 1934. Após 48 anos de serviço, uma vida no mar, aposentou-se e foi para junto da sua mulher, 2 filhos e 6 netos.
Infelizmente não tive o prazer de o conhecer. Contam-me que era um homem sereno, assertivo, muito ligado à família e, acima de tudo, que trazia sempre um sorriso na cara. Características talvez invulgares para alguém que teve responsabilidades desde tão novo e viveu a adolescência em alto mar, em plena guerra. No entanto, sempre que alguém fala sobre o meu bisavô não consegue evitar um genuíno sorriso de felicidade. Esta foi a marca que o meu bisavô deixou.
Rodrigo Martins, Agosto de 2014
Há três anos soube através de um dos meus cansativos inquéritos que o meu bisavô Alberto havia participado na Primeira Guerra Mundial, enquanto marinheiro. Como não poderia deixar de ser, comecei a questionar os seus filhos, a minha avó materna e o meu tio-avô, eis o que descobri através suas memórias e de um diário de um dos navios onde Alberto serviu o seu país.
Alberto d'Assumpção nasceu a 6 de Janeiro de 1899, na Freguesia da Santa Isabel, Lisboa, filho de Abel d'Assumpção, amanuense do Ministério dos Negócios Eclesiásticos e da Justiça, e de Júlia d'Assumpção. Numa casa da Rua Tomás da Anunciação viveu com seus pais e 6 irmãos, Manuel, Luís, Abel, Hugo, Vasco e Maria Helena, até que em 1912, por castigo do pai, derivado a mau comportamento escolar, é inscrito na Marinha Mercante como "Praticante de Piloto", contava então 13 anos de idade.
Em 1913 é matriculado pela primeira vez no Paquete "Funchal", onde a sua única função consistia em esfregar o convés da popa à proa. Nos dois anos que se seguiram, iria fazer parte da tripulação de mais dois barcos que em nada estariam envolvidos na defesa da costa marítima de Portugal.
Quando a 9 de Março de 1916 é declarada guerra a Portugal, o ainda "Praticante" não se encontrava em nenhum navio. É matriculado no vapor "Minho" (ex-navio alemão "Mogador") a 27 de Julho de 1916, embarcando numa simples viagem de comércio a Bissau. Viagem marcada pela abordagem em alto mar por um navio de guerra, felizmente pertencente à Royal Navy, que, assim, não representou perigo algum.
Entre Novembro de 1916 e Agosto de 1917 faz parte da tripulação de mais dois navios ex-alemães ao serviço do Estado português.
Contudo a sua maior e mais importante ingressão como membro da A.D.M (Secção de Auxiliares de Defesa Marítima, criada a 8 de Maio de 1916 em virtude do baixo número de marinheiros de guerra), que teria a duração de dois anos, estava prestes a começar.
A 15 de Outubro de 1917 parte de São Miguel a bordo do vapor "São Jorge", com destino a Lisboa. A estadia no Cais de Desinfecção de Alcântara serviu para que fossem carregados para o navio os materiais de guerra e víveres que caberiam ao "São Jorge" transportar, de Lisboa a Génova e daí para onde os comboios onde o "São Jorge" se integrava seguissem.
Apesar do foco dado à participação portuguesa na Grande Guerra, incidir no Corpo Expedicionário Português na Flandres e, em segundo plano, na África portuguesa, a Marinha Mercante cumpriu o seu papel com mérito e enfrentando constantes perigos em alto mar.
Alberto d'Assumpção iria aperceber-se disso na viagem que realizaria no mar Mediterrâneo. Desde a sua partida de Lisboa com destino a Génova o "São Jorge" contou com a escolta de pelo menos um destroyer ou um submarino, portugueses ou pertencentes a marinhas aliadas. O diário do "São Jorge" apresenta um vasto registo de momentos periclitantes, como inúmeros avistamentos de submarinos inimigos que subitamente desapareciam, avisos dos navios escoltas para se começarem as manobras de evasão em zigue-zague e os sempre preocupantes pedidos de S.O.S.
As 21h foi recebido um aviso de guerra em que na lat. 37.27º N e long. 9.50º E pairava um submarino, e fomos obrigados a sair fora das instruções. Avistam-se por NO alguns navios dos quais um se vê que acabou de ser torpedeado e que segue escoltado pelos outros em direcção a Bijerte. Um dirigivel e navios aeroplanos como unidades navaes de guerra francezas se veem fazendo evoluções.
Esta foi a entrada que Alberto d'Assumpção escreveu no diário de bordo do "São Jorge" a 1 de Janeiro de 1918 em pleno mar Mediterrâneo. Via pela primeira vez as consequências devastadoras provocadas pela guerra em alto mar.
Após 5 meses em águas mediterrâneas, o "São Jorge" inicia a 23 de Março a sua nova rota, que se manteria até ao Armistício. De Lisboa partia para Bordéus, com material de guerra e víveres, que após descarregados seriam transportados para as várias frentes de combate. Após Bordéus seguia para Cardiff, com o principal intuito de carregar o navio com o máximo de carvão possível, regressando para Lisboa, onde o carvão obtido seria usado como conviesse à Comissão de Abastecimento e Transporte de Tropas.
A Primeira Guerra Mundial acabava e deixava as suas marcas em Portugal, no entanto os esforços do mesmo não cessavam. Mantendo-se ao serviço da Pátria, Alberto d'Assumpção faria parte da tripulação do navio de transporte "Gil Eanes" que estava encarregado de rumar a Brest para que os bravos membros do C.E.P voltassem ao seu país. A bordo do mesmo, recebeu a 5 de Setembro de 1919 a Medalha de Prata (Campanha na Guerra 1916/1918), reconhecimento dos três anos passados no mar, servindo o país.
No entanto, o papel de Alberto d'Assumpção na História de Portugal na Primeira Guerra Mundial ainda não tinha terminado.
A 16 de Dezembro de 1920 é matriculado no paquete "Porto", no que seria um regresso ao quotidiano da vida de um marinheiro mercante. A 18 de Março de 1921 o Governo autoriza a trasladação de dois Soldados Desconhecidos, um vindo de França (Flandres) e outro de África (Moçambique), para o Panteão da Batalha.
O paquete "Porto", escoltado pelo Contratorpedeiro "NRP Guadiana" ficou encarregue de trazer de volta à Pátria, o Soldado Desconhecido que jazia na Flandres. Alberto d'Assumpção com o cargo de Piloto fez parte da tripulação que chegou a Lisboa a 6 de Abril de 1921, acabava de cumprir a sua última missão relacionada com a Primeira Guerra Mundial e a que maior orgulho lhe traria.
O meu bisavô continuaria a sua vida como membro da marinha mercante, chegando a pertencer à Direcção do Sindicato Nacional dos Capitães, Oficiais Náuticos e Comissários da Marinha Mercante em 1934. Após 48 anos de serviço, uma vida no mar, aposentou-se e foi para junto da sua mulher, 2 filhos e 6 netos.
Infelizmente não tive o prazer de o conhecer. Contam-me que era um homem sereno, assertivo, muito ligado à família e, acima de tudo, que trazia sempre um sorriso na cara. Características talvez invulgares para alguém que teve responsabilidades desde tão novo e viveu a adolescência em alto mar, em plena guerra. No entanto, sempre que alguém fala sobre o meu bisavô não consegue evitar um genuíno sorriso de felicidade. Esta foi a marca que o meu bisavô deixou.
Rodrigo Martins, Agosto de 2014
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