Memórias sobre Joaquim Gonçalves ou «os soldados que ficaram em Portugal durante a Grande Guerra»

Ana Luísa Alves encontrou uma fotografia do seu bisavô, guardada nos pertences lá de casa. A história que se segue é o seu relato sobre os passos que tomou para descobrir o que se passou, e a investigação que fez, que a levou a concluir sobre a carreira militar de Joaquim.

«Fotografia encontrada numa gaveta com militares do Regimento de Infantaria 12 da Guarda. Não está datada mas reconheço sem dúvida o meu bisavô Joaquim Gonçalves, 2º sargento. (3º em pé a contar da direita). Os vários militares envergam uma farda do plano de uniformes de 1885, que esteve em vigor até à reforma de 1911. É portanto a última farda da Monarquia que ainda foi usada alguns meses depois do 5 de Outubro 1910.

A chancela – Photographia Luz e Sombra - é da casa fotográfica de José Júlio da Silva e Sousa (1) que ficava na Alta de Coimbra onde se situa hoje o departamento de Física. Este fotógrafo morreu cerca de 1912.

Entretanto encontro um artigo interessantíssimo sobre o Hino do RI 12 escrito
pelas irmãs Santana (2). Versos muito patrióticos como caracterizam a época:

O Doze é da serra/ Valente soldado! /
Heróico na Guerra / Fiel, denodado
No La Lys, potentes/ Na Flandres inteira/
Lutaram valentes / soldados da Beira

- O quê? Na Flandres??!! Terá o meu bisavô ido combater para o pântano que é a Flandres? Aquele horror que foi a guerra das trincheiras?...

Vejo então referência a um livro escrito por Horácio de Assis Gonçalves “Portugal na guerra: o Batalhão Expedicionário de Infantaria 12 na Flandres (1917-1919).” Comecei a ler os nomes, primeiro dos sargentos e por fim todos, todos. Encontrei dois Joaquins Gonçalves, ambos soldados, 203 e 487. Entretanto tentava saber por outra fonte se realmente teria participado no CEP. O Arquivo Histórico Militar informou-me que “Foi localizado um segundo-sargento de nome Joaquim Gonçalves, natural de Paião, concelho da Figueira da Foz, que serviu no RI 28, mas pelos dados que nos deu crê-se que não deverá ser o seu antepassado.”

Conforme a Folha de matrícula no Exêrcito Português (3), Joaquim Gonçalves, jornaleiro de 1m 545 mm, sabendo ler, escrever e contar, foi alistado a 1 Outubro 1897 como recrutado para servir até aos 45 anos de idade, tendo sido incorporado no Regimento de Infantaria 24 (Aveiro 1º batalhão 2ª companhia soldado 88). Já como 2º sargento passou ao RI 12 (Guarda) a 18 Novembro de 1905.

Terá feito parte da frente interna que visava os inimigos da nação como por exemplo os realistas que atacavam de Espanha ou terá ido combater no Cuamato?

“Não tomou parte na E.R. (escola de repetição) de 1912 por se achar em deligência em Almeida por ordem telegrafica de C.do do Regimento.”

Se bem que meu bisavô não consta da fotografia publicada na Ilustração Portuguesa n° 339 [Grupo de sargentos e cabos do batalhão de infantaria 12, que estiveram nos postos avançados em Pinhel e Val-Verde, IP, nº 339, 1912, p. 249] seus companheiros estão retratados, o que me leva a crer que fez parte da frente interna contra os realistas que atacavam na zona serrana.

“Por ordem da S.S.G. passou ao RI 28 em 29 Abril 1919, por estar desempenhando serviço no hospital militar da Figueira da Foz, nos termos do art. 497º do D. de 25 Maio 1911 e se achar ao abrigo do 2º do art. 7º 31 Agosto 1915 e circular n°5 de 4 Nov do mesmo ano.”

A família terá chegado à Figueira da Foz em 1918, estando a esposa grávida do 6º filho, o qual viria a nascer em Janeiro de 1919. Não faço ideia que tipo de serviço meu bisavô terá prestado no Hospital Militar mas foi agraciado com a medalha militar de prata da classe de comportamento exemplar / o.e. n°3 -2ª serie. Louvado pelo Director do Hospital Militar da Figueira da Foz, “pelo zelo e boa vontade que sempre demonstrou no desempenho dos serviços a seu cargo, durante a direcção do mesmo HM” (OR de Inf.a 28, n°321, 15-11-1920). Medalha de ouro da classe de comportamento exemplar O.R. n°6 (2ª serie) de 17-5-1928.»

Ana Luísa Alves não encontrou ainda resposta para todas as suas perguntas. Questiona-se sobre as condecorações e louvores atribuídas ao seu bisavô (as quais teriam que ser por ele adquiridas, mediante um valor a ser entregue, caso contrário não sairíam do papel), bem como o tipo de serviço que o mesmo prestou no Hospital Militar da Figueira da Foz durante o período da Grande Guerra e meses subsequentes. E a sua investigação leva-nos a recordar que, também por Portugal, jovens soldados cumpriam o seu dever para com o país, eram mobilizados e combatiam os perigos internos, suprimiam revoltas ou trabalhavam em unidades militares, de saúde e não só. Este é um novo mundo por descobrir e por compreender, com o qual Ana Luísa Alves contactou através de uma pequena fotografia… Pequena em tamanho, grande em descobertas e em informação.

Notas:
1) Alexandre Ramires, Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra
2) Helena Santana e Rosário Santana (2012): A Guarda na Primeira República – O Regimento de Infantaria no 12 e o seu Hino, Câmara Municipal Guarda
3) Registos de Matricula do Ex-militar Joaquim Gonçalves, com o nº 3124, Cx 132/Sarg. Arquivo Geral do Exército, Lisboa
Horácio de Assis Gonçalves “Portugal na guerra: o Batalhão Expedicionário de Infantaria 12 na Flandres (1917-1919)”, Companhia Portuguesa, Porto, 1925

Informação Adicional

Autor - Relator
Ana Luísa Alves, Margarida Portela
Testemunha - Contador
Ana Luísa Alves

Intervenientes

 

Nome
Joaquim Gonçalves
Cargo
2º Sargento de infantaria

Mais informações

 

Local
Guarda e Figueira da Foz
Data do início da história
1910
Data do fim da história
1919

Direitos e Divulgação

 

Entidade detentora de direitos
Instituto de Historia Contemporânea da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova Lisboa – Portugal
Tipo de direitos
Todos os direitos reservados
Link para acesso externo
http://www.portugal1914.org/portal/pt/memorias/historias/item/7765-memorias-sobre-joaquim-goncalves-ou-os-soldados-que-ficaram-em-portugal-durante-a-grande-guerra

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