Ana tem vindo a descobrir a história do seu avô paterno Joaquim aos poucos... Antes mesmo de nos visitar nos Dias da Memória, na Assembleia da República, tinha descoberto a condecoração dele, como oficial da Ordem de Avis, que muito a surpreendeu, pois dela nada sabia... As memórias que tem são das suas palavras, escritas no seu livro, que amavelmente nos ofereceu. Agora, descobre aos poucos, como muitos outros portugueses, a vida do seu familiar e o seu percurso durante a Grande Guerra.
Numa manhã «cinzenta e brumosa», segundo suas próprias palavras, Joaquim Diogo Correia foi feito prisioneiro, na ofensiva alemã contra as linhas inglesas e portuguesas que ficaria conhecida como Batalha de La Lys, a 9 de Abril de 1918. Joaquim nascera a 9 de Janeiro de 1892, em Malpica do Tejo, concelho e distrito de Castelo Branco, filho mais novo de Marcos Diogo e de Maria Martinha.Quando veio a guerra frequentava o 2º ano de Direito, na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra e foi então mobilizado. Assim, em 1913 foi recrutado para o Regimento de Infantaria 21. Parte para França enquanto Alferes Miliciano da 1ª Divisão de infantaria, 3º Grupo de Metralhadoras da 2ª Bataria, combatente com o o nº. 171. Embarcou a 16 de Maio, no navio “Flavia”, tendo sido incorporado em França na célebre - e igualmente trágica - Brigada do Minho, o R.I. 8.
Naquele fatídico 9 de Abril estava no sector de Aubers/Laventie. Inicialmente dado como desaparecido em combate, descobriu-se que estaria nas mãos dos alemães, tendo passado poe campos na Alemanha como Rastatt, Karlsruhe, Fuchberg, Breesen in Mecklenburg, onde permaneceu até ao final da guerra. Regressou a Portugal, via Holanda, tendo aportado em Lisboa no navio Gil Eanes, a 25 de Janeiro de 1919. No total foram 543 dias de serviço naquele teatro de operações.
Foi-lhe concedida a medalha comemorativa das campanhas do exército português, bem como a Medalha da Vitória e a Medalha militar de prata da classe de comportamento exemplar. Sua neta descobriu recentemente que recebeu igualmente a Ordem de Avis, facto que lhe era desconhecido, não fazendo parte do conhecimento ou da história familiar.
Uma vez em Portugal, Joaquim Diogo Correia foi colocado em diversos regimentos de infantaria. Em Coimbra frequentou a Escola Militar e, em 1922, passou ao Quadro Especial do Decreto-lei nº 7823, que regulava a situação dos oficiais milicianos. Em 1923, como tenente-miliciano do Regimento de Infantaria 35, consegue a licença especial para finalizar o seu curso de Direito, interrompido em Coimbra pela guerra.
Posteriormente, voltou a Castelo Branco, colocado no Batalhão de Caçadores 6. Foi ainda Director da Carreira de Tiro, professor do 2º curso de habilitação das Escolas Regimentais, director e professor do 1º curso de habilitação das Escolas Regimentais. Em Maio de 1938 seria colocado no Quadro de Reserva, mas em 1941 ainda prestava serviço no DRM (Distrito de Recrutamento e Mobilização). Sabe-se igualmente que, durante algum tempo, deu instrução aos filiados na Legião Portuguesa, mas a data dos eventos é ainda desconhecida.
Também em Castelo Branco se casou com Ilda Correia Pardal, professora primária, agraciada com a medalha da Ordem da Instrução Pública em 1964. A relação foi oficializada em cerimónia religiosa a 6 de Agosto de 1925. Deste casamento nasceria o seu único filho, Rui Diogo Correia, pai de Ana Morão, entretanto já falecido em 1997. E foi nesta cidade, a bela Castelo Branco, que exerceu sempre a sua actividade de advogado e militar. Passaria à situação de reforma do Exército apenas em 1955. E assim viveu, como homem justo e honrado, conhecido dos seus conterrâneos, até ao seu falecimento.
Como advogado, sabe-se que defendia graciosamente os mais desfavorecidos, em especial os seus conterrâneos malpiqueiros, em geral desprovidos de recursos, e que, com frequência, por ser usual e não visto como delito, eram levados a tribunal, acusados de furto de bolota nas terras dos grandes proprietários, cujas terras rodeavam a pequena aldeia.
Já quase no final do seu caminho, em 1958, publicou em edição de autor, em Castelo Branco, o livro das suas memórias, o «Álbum de Saudades», onde quase um terço se reverte dos contornos que o levaram à participação na Grande Conflagração, e que aqui também trazemos, para que todos possam ler. As memórias são muito dolorosas, como combatente e como prisioneiro, e quem melhor do que o próprio, dando voz às suas palavras, que ainda hoje ecoam no papel, para nos contar dos seus sofrimentos, saudades, anseios e desejos. Contudo, é notório o desânimo, a tristeza, face não só à fome, ao frio, às humilhações sofridas como prisioneiro, mas também por causa do sentimento de abandono pela Pátria amada, bem como a indiferença que os prisioneiros libertados sentiam, e até mesmo a hostilidade no seu regresso. Assim mesmo, amava a França e abominava a Alemanha. E assim faleceu no dia 16 de Junho de 1960, em Castelo Branco, como dá conta uma notícia que Ana Morão também nos trouxe.
À sua morte, um seu ex-camarada de armas no Regimento de Infantaria 35, fez publicar num jornal local a observação que, em conversa, lhe fez o Comandante daquela mesma unidade, anos antes: “É que o Diogo Correia é trigo sem joio”.Talvez por isso, e como sua neta bem sabe, sofreu alguns dissabores, na sua vida militar.
Refere ela, em nota biográfica, bem demonstrativa de que a memória dos nossos se torna mais perceptível quando por ela procuramos. E o que descobrimos é, tantas vezes, mais do que nós próprios imaginamos possível:
«[...] em 1921 e ainda como aluno da Escola Militar em Coimbra, foi punido com 10 dias de prisão disciplinar por ter acompanhado outros alunos numa manifestação colectiva que se traduziu pela desistência de prestar determinadas provas de exame, o que foi considerado contrário aos deveres militares.
Tendo casado em 1925, estava colocado em Bragança ainda em 1926, pede várias vezes colocação em unidades mais perto de Castelo Branco, onde residia a mulher, que era professora primária. Em Dezembro de 1926, o Comandante da Região de Tomar emite nota confidencial dirigida ao General Director da Arma de Infantaria, G. P. Pimenta de Castro, retirando o consentimento à colocação do Tenente Joaquim Diogo Correia no Batalhão de Caçadores nr. 11, que o respectivo Comandante aprovara. O motivo é que “o mesmo oficial não pode ser colocado no batalhão de Caçadores nr. 11 nem em qualquer outra unidade desta Região, por não merecer confiança nenhuma à actual situação”. Assim, ainda se se encontrava em Bragança quando, em 19 de Maio de 1927, aguarda resposta ao pedido de ir a Castelo Branco assistir ao parto da mulher (que se daria a 30 desse mês). É mandado requerer ao Ministro de Guerra, devido a uma “nota confidencial” não mencionada, mas que deve ser a supra citada.
Só em Agosto de 1927 é que é, então, colocado no Batalhão de Caçadores nr. 6, em Castelo Branco.
A vigilância, nestes tempos, era apertada e criava situações contraditórias.
Em 27 de Janeiro de 1928, o Comandante do Quartel de Castelo Branco submete à apreciação da Inspecção de Infantaria da 7ª Divisão do Exército a conferência formulada pelo Tenente J. Diogo correia, emitindo o seu parecer, muito positivo e elogioso, exceptuando a “notável acrimónia” que o conferencista descreve o “espírito teutónico” e que lhe parece ser já de “cobrir com a capa do esquecimento”. Louva, no entanto, a boa elaboração, o espírito elevado, os ensinamentos, e observa que não estranha, pois “o autor é um homem culto e bacharel em direito”. Esta conferencia é, segundo o Inspector, digna de ficar arquivada, com “menção honrosa” para o autor.
Mais tarde, em Outubro de 1933, sendo Capitão do batalhão de Caçadores 6, em Castelo Branco, esteve alguns dias detido e incomunicável nesse Quartel, às ordens da Polícia de Vigilância e Defesa do Estado, apenas constando do seu processo político uma breve referência ao “caso de Bragança”, presumindo-se, pois, que era vigiado por suspeitas de conotação com a oposição ao regime do Estado Novo. É de notar que, no mesmo processo, encontra-se um ofício do Comandante da Região dirigido ao Ministério da Guerra, solicitando que o oficial fosse “ouvido com brevidade”, uma vez que a sua prisão causara a maior surpresa na cidade “tanto nos afectos como nos desafectos à actual Situação”.
Libertado, curiosamente nada consta no registo disciplinar e penas impostas e é oficial da Ordem de Avis.»
Joaquim encontra-se ainda vivo na memória familiar, em especial na dos netos. A família conserva alguns objectos seus, nomeadamente postais ilustrados, os quais escreveu a vários membros da família. Alguns, que muito nos comovem ainda, são postais dirigidos a uma sobrinha, a pequenita Judite, que teria então uns 6 anos, e nos quais lhe pde desculpa, por não ter conseguido enviar-lhe ainda a boneca que lhe prometera trazer de França.Tem também diversas fotografias suas, feitas em França ou nos campos de prisioneiros na Alemanha. E existe fardamento, documentos anteriores e posteriores diversos, e uma chávena, religiosamente guardada, que se pensa ter sido por ele adquirida em Cherbourg, quando regressava do cativeiro, via Holanda.
Quanto à boneca, aquela, a da pequenina sobrinha Judite, contaria ela anos mais tarde que o seu tio não deixou de cumprir a promessa, ainda que tivesse comprado a boneca já em terras de Portugal, pois enquanto prisioneiro, de 9 de Abril de 1918 até ter regressado em inícios de 1919, não pudera cumprir o desígnio... Mas cumpriu com a sua palavra, pois assim era Joaquim Diogo Correia, alferes miliciano do Corpo Expedicionário Português em França. Mais um generoso e nobre combatente que necessitamos agora recordar, por ontem, para hoje e para o Futuro.
RESENHA DO PERCURSO MILITAR DE JOAQUIM DIOGO CORREIA (por sua neta, Ana Maria Paiva Morão)
- 14 de Maio de 1913 - Alistado como recrutado no Regimento de Infantaria nr. 21 (Covilhã).
- Aspirante a Alferes Miliciano do 3º Grupo de Metralhadoras pesadas, com o nr. 171 da 2ª Bataria, 1ª Divisão de Infantaria.
CEP:
- 16 de Maio de 1917 –Embarcou em Lisboa para a Flandres
- 28 de Maio de 1917 – Promovido a Alferes Miliciano
- 4 de Julho de 1917 - Colocado no Batalhão de Infantaria nr. 8 (Braga), 4ª Brigada , 2ª Divisão.
- 9 de Abril de 1918 – Feito prisioneiro na Batalha de La Lys, tendo sido primeiro dado como desaparecido.
- Esteve em vários campos de prisioneiros, na Alemanha (Rastatt, Karlsruhe, Fuchberg, Breesen in Mecklenburg) até ao fim da guerra.
- 25 de Janeiro de 1919 – Chega a Lisboa a bordo do navio Gil Eannes, vindo da Holanda e depois de uma paragem em Cherbourg. A viagem demorou 5 dias.
- 8 de Fevereiro de 1919 –Abatido ao efectivo do CEP.
Prestou 543 dias de serviço na zona de guerra.
Foi agraciado com a Medalha Comemorativa das Campanhas do Exército Português, a Medalha da Vitória e a Medalha Militar de prata classe de comportamento exemplar.
Continuou o percurso militar, depois de abatido ao efectivo do CEP
- 21 de Outubro (?) - Passou ao Regimento de Infantaria nr. 31 (Porto)
- 22 de Novembro (?) - Passou ao Regimento de Infantaria nr. 35 (Coimbra)
- 1920 – Instructor de esgrima de baioneta e ginástica
- 28 de Julho de 1921 – Sendo Alferes Miliciano colocado no Regimento de Infantaria nr, 35, Coimbra, foi punido com 10 dias de prisão disciplinar por, como aluno da Escola Militar, ter declarado, conjuntamente com outros alunos, desistir das provas de 2 provas de exame.
- 5 de Agosto de 1921 - Passou ao Regimento de Infantaria nr. 15 (Tomar)
- 11 Junho de 1921 – Tenente Miliciano
- 30 de Junho de (?) - Passou ao Regimento de Infantaria nr. 35
- Março de 1922 – Estando no Regimento de Infantaria 15, é deferido o seu requerimento e ao abrigo do Dec.-lei 7823, de passagem ao Quadro Especial, que regulou a situação dos oficiais milicianos.
- 8 de Novembro de 1923 – Estando colocado no Regimento de Infantaria nr, 35, Coimbra, é-lhe deferida licença especial para frequentar a Universidade de Coimbra.
- Junho 1924 – Passou ao 5º Grupo de Metralhadoras
- Março 1925 - 7º Grupo de Metralhadoras
(6 de Agosto de 1925, casou com Ilda Correia Pardal.)
- 21 de Agosto de 1926 – Passou ao Quadro da Arma
- Colocado no Regimento de Infantaria 10 (Bragança)
- Em 4 de Dezembro de 1926, é solicitado ao Comandante da 3ª Região Militar, de Tomar, a colocação no Batalhão de Caçadores nr. 11 (Elvas) do Tenente Joaquim Diogo Correia, que se encontrava no regimento de infantaria nr. 10, pedido que é despachado favoravelmente, a 6 de Dezembro.
- A 17 de Dezembro de 1926, o Comandante da Região de Tomar emite nota confidencial dirigida ao General Director da Arma de Infantaria, G. P. Pimenta de Castro, retirando o consentimento à colocação do Tenente Joaquim Diogo Correia no Batalhão de Caçadores nr. 11, que o respectivo Comandante aprovara. O motivo é que "o mesmo oficial não pode ser colocado no batalhão de Caçadores nr. 11 nem em qualquer outra unidade desta Região, por não merecer confiança nenhuma à actual situação". Acrescenta que vai pedir responsabilidades ao comandante do dito batalhão.
- 19 de Maio de 1927 – Estando no Regimento de Infantaria 10, Bragança, aguarda resposta ao pedido de ir a Castelo Branco assistir ao parto da mulher. É mandado requerer ao Ministro de Guerra, devido a uma "nota confidencial" não mencionada, mas que deve ser a supra citada.
- Em 27 de Janeiro de 1928, o Comandante do Quartel de Castelo Branco submete a apreciação da Inspecção de Infantaria da 7ª Divisão do Exército. a conferência formulada pelo Tenente J. Diogo correia, emitindo o seu parecer, muito positivo e elogioso, exceptuando a "notável acrimónia" que o conferencista descreve o "espírito teutónico" e que lhe parece ser já de "cobrir com a capa do esquecimento". Louva, no entanto, a boa elaboração, o espírito elevado, os ensinamentos, e observa que não estranha, pois "o autor é um homem culto e bacharel em direito". Esta conferencia é, segundo o Inspector, digna de ficar arquivada, com "menção honrosa" para o autor.
- 6 de Agosto de 1927 – Colocado no Batalhão de Caçadores nr. 6, em Castelo Branco.
- 17 de Maio de 1928 – Colocado no Quadro Especial
- Março de 1933 - Capitão miliciano do Quadro especial
- 28 de Outubro de 1933 – Sendo Capitão do Batalhão de Caçadores 6, em Castelo Branco, esteve alguns dias sob prisão e incomunicável no Quartel do Regimento de Cavalaria nr. 6, na mesma cidade, às ordens da Polícia de Vigilância e Defesa do Estado, apenas constando do seu processo político uma breve referência ao "caso de Bragança", presumindo-se, pois, que era vigiado por suspeitas de conotação com a oposição ao regime do Estado Novo. É de notar que, no mesmo processo, encontra-se um ofício do Comandante da Região dirigido ao Ministério da Guerra, solicitando que o oficial fosse "ouvido com brevidade", uma vez que a sua prisão causara a maior surpresa na cidade "tanto nos afectos como nos desafectos à actual Situação".
- Em Castelo Branco:
- Carreira de Tiro, professor do 2º curso de habilitação das Escolas Regimentais, director e professor do 1º curso de habilitação das Escolas Regimentais.
- Em Maio de 1938, é colocado no Quadro de Reserva.
- Presta serviço no DRM (Distrito de Recrutamento e Mobilização) em1941. Deu instrução aos filiados na Legião Portuguesa, em data desconhecida.
- Nada consta no registo disciplinar e penas impostas.
Foi oficial da Ordem de Avis.
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