De Portugal a França - resiliência de ferro e um copo de chumbo. José Alagoinha na Grande Guerra

Poucos são os que podem dizer que puderam conviver com o seu bisavô. Os bisavós são, na maioria dos casos, familiares dos quais ouvimos falar mas, no caso de José Luís Albuquerque, graças à longevidade extraordinária de José Alagoinha, existiu essa possibilidade, visto que o bisneto conviveu com ele até aos seus 15 ou 16 anos. Agora, o mesmo trouxe até nós a história deste combatente e a presença dele em França, com um espólio de uma riqueza considerável, cheio de surpresas, como a do maravilhoso copo de chumbo de 1900 ou o diário, com poemas e outros dados, pela mão do próprio José Alagoinha.

José Alagoinha nasceu em 4 de Novembro de 1894 em Santa Maria de Estremoz, e era filho de Joaquim Rosa e de Inácia Maria Caeiro. Juntamente com a sua família residia então na Quinta do Carmo, paróquia de Santa Maria de Estremoz, de onde saiu para a recruta e depois para a guerra, que levaria tantos dos nossos jovens para terras de África ou para a Europa, para as trincheiras da Flandres.

Para a protecção do seu país foi alistado a 14 de Agosto de 1914, partindo para a recruta com o contingente daquele ano, pertencente a Évora. Em 13 de Janeiro de 1915 estava já a apresentar-se no Regimento de Sapadores Mineiros, onde permaneceria na 4ª Companhia como soldado nº. 219, e com o qual partiria para terras de França. Homem forte e decidido, com cerca de 1.69m de altura, veria aqui a sua oportunidade de entrada definitiva para o exército, tendo sido sempre readmitido no mesmo, entre 1919 e 1929, como refere a sua caderneta, e onde ficou depois daquela data, graças ao seu papel honrado durante a Grande Guerra e ao seu empenho, sempre presente e sempre notado. Era, além do mais, um homem escolarizado, sabia ler, escrever e contar, o que lhe permitiu também esta mais rápida e viva progressão na carreira militar.

Embarcou para França já como 2º sargento, tendo sido promovido em 10 de Setembro de 1916. Abandonaria Lisboa, rumo a Brest, a 21 de Abril de 1917, como parte integrante do C.E.P. A sua caderneta refere ainda que foi considerado apresentado de regresso ao país por ter terminado a licença concedida pela Junta, em 25 de Setembro de 1918. Desconhecem-se pormenores sobre esta situação, que se tentará futuramente averiguar, conjuntamente com outros pormenores da passagem de José Alagoinhas pela Grande Conflagração. Contudo, existem coisas certas. Por exemplo, já em Portugal, foi promovido a 1º Sargento em 26 de Março de 1919, ano em que casou com Joaquina Rosa de Oliveira, no dia 21 de Setembro. Entre 1928 e 1929 fez ainda um curso de Escola Central de Sargentos para poder vir a fazer parte do quadro auxiliar dos Serviços de Engenharia, o que almejou e o que conseguiu, uma vez mais graças ao seu empenho em melhorar a sua carreia e condições de vida.

José Alagoinha foi igualmente louvado pela maneira como sempre mostrou competência, zelo e boa vontade, em todos os serviços que lhe foram ordenados pelo comandante da companhia em França. A sua ficha disciplinar nada tinha a anotar, e o seu bisneto recorda-se bem das várias condecorações que existiam na família, pertença do seu bisavô que, durante a Grande Guerra, começou o percurso de ascensão na carreira militar.

Curiosamente, a sua avó contava a José Luís Albuquerque que seu pai teria sido responsável pela sinalização de gases, ordenando aos seus homens que colocassem a máscara anti-gás. Ele dava o sinal de aviso, ao qual os homens deviam obedecer, para sua sobrevivência no inferno que era a trincheira. Da sua máscara não se sabe por hora. Mas a mesma veio com ele do conflito, e pode ser observada em uma das suas fotografias de grupo. Contudo, essa forma de comando, que o levou a ser, anos mais tarde, responsável pelo Depósito Geral de Material de Engenharia, quando era já Major, corriam os anos 1964 e 1965, ficou igualmente registada entre os poemas do seu diário, pois ali existem referências a correspondência recebida, notas pessoas e até mesmo entregas e pedidos de géneros, para que o então sargento Alagoinha pudesse cuidar dos praças que dele dependiam.

Homem resoluto, não se rendia ainda a situações e a lugares comuns. Para além da poesia, que demonstra um homem preocupado com os outros, com os efeitos da guerra, de olhos bem abertos para os acontecimentos que experienciava, chegou ainda aos tempos de hoje um copo, de chumbo grosso mas soberbamente trabalhado, que José Alagoinha usava na trincheira, para beber água. Foi este provavelmente comprado na zona das aldeias, mas pertencia já às comemorações da Exposição de 1900, o que poderá significar que, à época, contava já com largos anos, e agora é já um objecto centenário.

A história de José Alagoinha não deverá ver aqui o seu ponto final. Entre os objectos, com livros, cartão da Liga dos Combatentes, imagens e fotografias de outros combatentes, revistas, e até mesmo o seu diário, mais dados deverão surgir, que nos permitam traçar, de uma forma ainda mais completa, o percurso deste representante de Portugal na Frente Ocidental. José Alagoinha veio a falecer, junto dos seus, com a bonita idade de 96 anos. Ainda hoje o seu bisneto sente orgulho de tê-lo conhecido, de escutar as suas histórias e as suas memórias, lamentando apenas não ter, na sua juventude, retido mais informações, as quais não recorda mais. Mas o seu bisavô jamais será esquecido. Aqui honramos a sua memória igualmente, como combatente português da Primeira Guerra Mundial.

Informação Adicional

Autor - Relator
Margarida Portela
Testemunha - Contador
José Luís Albuquerque

Intervenientes

 

Nome
José Alagoinha
Cargo
2º Sargento

Teatros de Guerra

 

Teatros de Guerra
França

Direitos e Divulgação

 

Entidade detentora de direitos
Instituto de Historia Contemporânea da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova Lisboa – Portugal
Tipo de direitos
Todos os direitos reservados
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Caderneta de José Alagoinha

Cartão de Sócio da Liga dos Combatentes pertencente a José Alagoinha

Copo de chumbo utilizado no Front por José Alagoinha

Caderno de Memórias de José Alagoinha

História Militar de José Alagoinha depois da Grande Guerra

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