José Joaquim Machado Guimarães Júnior nasceu a 17 de Fevereiro de 1890 no lugar da Igreja, freguesia de Ronfe, Guimarães, descendente de uma família com antiga tradição na área dos têxteis do vale do Ave. Contudo, a sua vocação era a Medicina. Tendo ido estudar para o Porto, quando se licenciou na Escola Médico-cirúgica do Porto o país já estava envolvido na conflagração europeia. José Joaquim decidiu então alistar-se como voluntário no exército. Foi integrado no 3º Grupo da Companhia de Saúde, cujos elementos provinham da região do Porto, fazendo parte do Serviço Médico do Corpo Expedicionário Português, enviado para terras de França, a combater na Frente Ocidental. Embarcou a 15 de Fevereiro de 1917 rumo a Brest. Em França ficou adstrito ao Batalhão de Infantaria nº 15 e foi promovido a Tenente-médico miliciano em 24 de Setembro do mesmo ano.
Como nos relata seu neto, Nuno Borges de Araújo, a família recordava-se da passagem deste médico pela frente de batalha portuguesa, onde tratou de feridos e doentes. Não obstante, consta que, em horas de pausa, pegava na sua arma e fazia bom uso da mesma. Numa das ocasiões em que tal efectuou, terá ido para a torre de uma igreja semi-arruinada com uma metralhadora, e desse ponto favorável terá morto muitos alemães, não deixando que os mesmos passassem em direcção à linha portuguesa.
José Joaquim era médico mas era também soldado, lutador, que não podia ver os seus compatriotas em perigo. Da sua folha ou de outros registos não fazem parte menções directas a estas refregas em que se terá envolvido, até porque tal não faria parte da sua competência na frente e nem deveria ser autorizado a tal, como refere seu neto. Assim mesmo, foi louvado em 24 de Outubro de 1917 pelo cumprimento das suas funções e por «serviços que não são da sua profissão», mas que não são descriminados no boletim de alterações nº 5 ou na sua ficha. Pode vir este boletim e a passagem respectiva na sua folha, corroborar a versão do combatente? Não conseguimos precisar com exactidão, mas poderão apontar para tal. Permanecendo a dúvida, na memória familiar perduram igualmente estes episódios, que ele mencionaria e que ficaram registados nas mentes dos que com ele conviveram nos anos posteriores à guerra.
José Joaquim esteve na batalha de La Lys. Foi primeiramente dado como desaparecido e depois soube-se do seu cativeiro, tendo sido feito prisioneiro em La Couture, a 9 de Abril de 1918. Segundo foi contado a seu neto, e assim, segundo o que o próprio tenente-médico relatou aos seus familiares, quando se viu aprisionado desfez-se logo dos seus galões e de qualquer tipo de identificação que levassem os alemães a julga-lo oficial. Possivelmente poderá te-lo feito para evitar interrogatórios ou uma eventual execução. Era prisioneiro. Nunca se sabia o que poderia acontecer. José Joaquim poderá ter pensado ser esta a melhor forma de evitar que se soubesse a sua patente.
Neste caso, igualmente interessante é a sua presença numa coluna de prisioneiros portugueses, visionada num postal germânico quando se procuravam dados sobre o combatente. Naquele, o tenente-médico surge à cabeça da coluna, mas a sua roupa não apresenta distintivos alguns. Nada demonstra que se trata de um oficial médico e confundir-se-ia com os demais, a massa anónima de prisioneiros ingleses e portugueses fotografada, não fosse o facto da sua fisionomia ser inconfundivel e automaticamente identificável, no topo da coluna, entre os primeiros a caminhar, e totalmente similar a outros retratos que aqui apresentamos. O postal pode ser aqui apresentado graças à autorização do seu detentor, Pedro Manuel Barros Pereira, ajudando-nos a corroborar as palavras deste oficial médico. A imagem fala por si própria...
José Joaquim referia ter estado em dois campos de prisioneiros alemães. Como havia pouca comida, trocava as agulhas que trouxera por ovos, para se alimentar um pouco melhor. Assim mesmo referia ter perdido 30 quilos. As condições eram deploráveis, tendo sempre referido que chegou a lavar a roupa em charcos, para poder manter algumas condições de asseio.
Terminada a Guerra, com o Armistício, regressou ao C.E.P a 16 de Janeiro de 1919, vindo da Holanda, como tantos outros prisioneiros que, aos poucos, foram enviados da Alemanha para a França e depois para Portugal. Passou alguns dias em Paris e partiu rumo a Lisboa bordo do navio inglês Hellenus. Desembarca na capital portuguesa a 29 de Janeiro de 1919. Vinha debilitado, refere Nuno Borges de Araújo. Como resultado dos gaseamentos no Front, a que foi sujeito durante o conflito, e em particular no 9 de Abril, ficou com a voz alterada, tudo por causa das inalações gasosas.
Foi condecorado com a Cruz de Guerra de 2.ª classe porque mostrou grande coragem, valor e zelo durante o combate de 9 de Abril de 1918. Como o seu registo militar referencia, acompanhou espontaneamente, sob um intenso bombardeamento, uma companhia que se dirigia para um posto a ocupar, fazendo pensos aos feridos durante todo o trajecto que efectuou. Teve a Medalha da Vitória, a Medalha de prata comemorativa das campanhas do Exército Português com a legenda “França 1914-1918”, foi agraciado com a Ordem da Torre e Espada do Valor, Lealdade e Mérito «por ter prestado com a maior dedicação e zelo serviços da sua especialidade debaixo de fogo inimigo por ocasião da batalha de 9 de Abril de 1918, sendo aprisionado no mesmo dia em Lacouture no posto de socorros onde estava pensando feridos, serviço que nesse dia lhe não pertencia e para o que se ofereceu».
Agraciado e louvado pelas suas atitudes decididas e suas boas práticas, pela lealdade aos combatentes, pelo voluntarismo, pelo bom trabalho, pela instrução de maqueiros, pelo percurso impoluto e pela coragem, ironicamente recusaria pagar para obter mais do que o papel que lhe concedia o mérito de ser condecorado pela Ordem de Torre e Espada, visto que, como dizia, se lhe tinham atribuído a mesma, uma vez ganha lhe devia ser dada e não paga.
Nunca deixou a medicina, sendo promovido a Capitão-médico a 23 de Novembro de 1921 e deixando o serviço no exército apenas em 1941.
Conta-se que, nos turbulentos anos de 1926 apoiou o movimento do General Gomes da Costa, sendo referido pelo seu filho que teria sido seu guarda-costas. Outra história transmitida pelo seu filho foi que quando Gomes da Costa o enviou a inspeccionar alguns quartéis, para identificar a oposição ao movimento, em Chaves, ele colocou o revolver em cima da mesa do comandante do respectivo quartel, dando-lhe a escolher entre aquele ou a rendição.
Nuno Borges de Araújo refere que o tenente-médico José Joaquim Machado Guimarães Júnior continuou a exercer a profissão de médico nas Caldas das Taipas, na região envolvente e no quartel de Braga, onde fazia as inspecções militares, primeiro no antigo Convento do Pópulo (Praça Conde de Agrolongo, vulgo Campo da Vinha) e depois nas instalações militares da rua de Camões.
Nos últimos anos da sua vida, já viúvo da sua 2.ª mulher, viveu a maior parte do tempo na sua Quinta de S. Miguel, em S. Clemente de Sande (Guimarães). Vítima de um derrame cerebral que lhe roubou a saúde e lhe deixou apenas uns dias de vida, faleceu a 14 de Novembro de 1952. Deixou um filho do primeiro casamento com Maria Ludovina dos Prazeres Monteiro Borges de Araújo, que era José Borges de Araújo Machado Guimarães, falecido em 2005 e relator de muitas histórias a seu filho, o qual nos deu acesso ao espólio paterno e às memórias desses tempos longínquos e conturbados de guerra, onde portugueses combatera, médicos salvaram vidas, e muitos foram desprovidos da sua dignidade e liberdade, retornando à pátria marcados por uma guerra como nenhuma outra fora vivida até então.
O seu espólio fotográfico e documental, assim como a farda e acessórios diversos, soberbamente conservados, continuam, ainda hoje, na posse da família e chegam até nós pela mão de seu neto, ecoando o passado e contando-nos um pouco da sua história.
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