Ricardo Charters d´Azevedo, testemunho e memória viva da história que aqui apresentamos, refere que Luís Carlos nasceu em Leiria a 23 de Novembro de 1890. Licenciou-se em Medicina na Faculdade de Medicina e Cirurgia da Universidade de Lisboa a 29 de Junho de 1914 e tornou-se depois o que hoje consideraríamos Clinico de Otorrinolaringologia. Depois da guerra terá inclusivamente montado consultório em Lisboa onde tratava de «doenças de ouvidos e nariz», procedendo a consultas, tratamentos e mesmo cirurgia.
Terá ido para o teatro de guerra europeu como Tenente – Medico, partindo a 31 de Agosto de 1916 com o Regimento de Infantaria 7, tal como refere o Diploma de Honra, oferecido a todos os Oficiais e Praças de Leiria e que Ricardo Charters d´Azevedo ainda hoje conserva. A sua participação activa no conflito permitiu igualmente ao seu neto a posse de diversas fotografias em que surge fardado como oficial médico, sozinho ou acompanhado de elementos do staff médico do C.E.P., ou ainda na companhia de familiares, nos jardins da sua casa, aquando de uma licença gozada em Portugal. O Tenente – Médico Luís Carlos nunca esqueceria estes anos cruciais da sua vida, em que viu a morte tão de perto. Segundo o seu neto terá estado presente na batalha de Lys, onde teria sido dado como desaparecido, julgando-se que estaria prisioneiro de guerra ou morto. Contudo, segundo a memória familiar, foi encontrado a trabalhar num hospital inglês, acudindo aos feridos que chegavam ao mesmo e cumprindo o seu papel de médico.
Dos horrores presenciados escreve nas suas cartas trocadas com o seu amigo e capelão do C.E.P., Padre Lacerda, que anos mais tarde fundou e dirigiu o jornal O Mensageiro em Leiria. Recorda aquele antigo capelão das tropas portuguesas em França nas linhas do seu jornal:
«Dr. Luís Charters de Azevedo
Encontra-se em Leiria onde vem passar o mês de Outubro na sua linda vivenda, o distinto clínico, combatente da Flandres, leiriense, que honra na Capital Leiria e a medicina o nosso prezado amigo o Sr. Dr. Luís Charters de Azevedo. Especialista em doenças de ouvidos e nariz, temos tido várias ocasiões de observar quanto o seu consultório é frequentado por doentes desses órgãos e quanto trabalho o ocupa em Lisboa quer no seu consultório quer em operações cirúrgicas. É por isso bem merecido o descanso, que vem ter no seu lindo palacete e parque que o rodeia. Não nos furtamos a transcrever uma parte da carta que nos dirigiu, avisando-nos para lhe ser remetido "O Mensageiro" para a sua casa em Leiria. Que nos desculpe a publicação, que nos veio avivar dias longínquos mas que não se esquecem. Eis as suas palavras:
"Agora que novamente que na fronteira franco-alemã se desenvolvem acontecimentos semelhantes aos da Grande Guerra, mais me recordo do nosso encontro numa manhã cinzenta, fria e nevada numa estrada perto de Roquetoire e também nas dessa sossegada noite de Junho (pelo Santo António) em que na frente, eu no posto de Greens Barn tratava dos feridos e a pouca distância no posto de St Vaast o meu amigo os socorria moral e espiritualmente. Já lá vão 22 anos! Que acontecerá agora? Desculpe as reminiscências que só as teem os que por lá andaram."
Também eu me recordo dessa manhã nevoenta e dessa noite trágica! Nessa manhã saíra de Teroane em procura de soldados de Leiria e dum colega capelão. É certo que ia munido duma carta e estavam sinalizadas as estradas, mas tantas voltas dei que não sabia onde estava. Estradas, caminhos, casas era tudo cinzento e igual. Valeu-me o encontro felicissímo com o meu querido amigo, que me indicou a posição e o caminho a seguir. 12 e 13 de Junho! Que horror! Se me recordo! Dezenas e dezenas de feridos eu ajudei a meter em macas! Mais de uma dezena eu ajudei a morrer falando-lhes e recebendo as suas últimas palavras, recomendações para a família, objectos sagrados, cartas, retratos... eu sei lá! Muitas outras recordações nos acodem neste momento ao bico da pena, cuja exteriorização aguarda melhor oportunidade.»
(in "O Mensageiro - órgão dos interesses do Distrito de Leiria" de 7.10.1939, pag. 2)
A 9 de Dezembro de 1953, o Tenente – Médico Luís Carlos sucumbe ele próprio a doença prolongada, na Villa Portela, para onde vinha sempre passar dias de repouso quando não atendia os seus pacientes em Lisboa, no seu consultório. O Mensageiro dará notícia da morte de um homem do qual, ainda hoje, o seu neto mantêm memória viva, e que, enquanto médico, prestou auxílio aos que, mais ou menos feridos, e mesmo moribundos, padeceram dos males da guerra na própria carne, sendo muitos os que não sobreviveram mas também muitos os que médicos e enfermeiras ajudaram a sobreviver, para poderem regressar a Portugal e aos seus familiares.
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