Dois irmãos, uma guerra – em memória de Francisco Dias Júnior e António Dias

Quem era Francisco Dias Júnior? Maria Madalena Dias Marques Contente é rápida na sua resposta. Tratava-se do seu avô materno, que lhe contava histórias da Grande Guerra, conflito que o levaria a terras de França para combater no Corpo Expedicionário Português. Francisco vivia em Mouriscas, concelho de Abrantes, onde Maria Madalena passava parte das suas férias de Verão, e onde os netos podiam escutar as memórias que o avô lhes contava da sua ida à guerra.

Francisco Dias Júnior nasceu a 5 de Dezembro de 1894 em Vimieiro, uma paróquia de Mouriscas situada no concelho Abrantes, distrito de Santarém. Um dos nove filhos de Francisco Dias e Maria de Oliveira, Francisco era solteiro e sapateiro de profissão, mas o destino e a pátria determinaram o seu recrutamento, tornando-o soldado na Grande Guerra. Apresentando-se no quartel de Elvas, assentou praça a 23 de Junho de 1914 para ser membro do contingente que naquele ano havia sido convocado pelo distrito de Santarém. Posteriormente, e como a sua própria caderneta refere, seria incorporado no 2º batalhão em 12 de Maio de 1915. O seu tempo de serviço activo contaria a partir desta mesma data.

Francisco tinha 1.62 de altura, pequenos sinais no rosto e havia sido vacinado. A sua instrução militar levá-lo-ia a tomar parte da Escola de Repetição de 1915, bem como a frequentar o curso de atiradores, de onde saiu «atirador de primeira classe». Sabia igualmente ler, escrever e contar. Concluiria a sua instrução de recruta em 28 de Agosto de 1915 e, ao invés de regressar a casa, terá sido estipulado que continuaria no serviço efectivo por mais um ano, já que o seu número foi um dos sorteados para continuar a servir no quadro do pessoal permanente do Exército.

O ano passou e Francisco deveria ter regressado a casa a 29 de Agosto de 1916, findo o período de serviço activo que devia prestar ao seu país. Contudo, Portugal encontrava-se já em guerra com a Alemanha, tendo entrado oficialmente no conflito em Março daquele ano. Por essa mesma razão, Francisco não foi encaminhado à reserva, e continuaria a prestar serviço activo, tal como os seus outros camaradas. Assim, e por tempo indeterminado, iniciaria uma nova comissão de serviço efectivo no Exército Português no dia 29 de Agosto de 1916 «em virtude do determinado na circular nº 96 da 3ª Repartição da 1ª Direcção Geral da Secretaria da Guerra de 19 de Abril [de 1916]». A guerra jamais afasta os homens dos campos de batalha… Atraía sim esses homens para as suas fileiras e, neste caso, envolveu-os e levou muitos deles para longe das fronteiras do seu país.

Francisco deverá ter feito parte das manobras de Tancos, e uma vez preparado para a guerra, partiria para França enquanto membro do Corpo Expedicionário Português, a 20 de Janeiro de 1917. Era então o soldado nº 621 da 3ª Companhia do Regimento de Infantaria nº 22. Em Portugal deixaria não só a sua família como a sua futura esposa. Na terra deixaria a namorada, a sua Ludovina, também ela natural de Mouriscas, e à qual enviaria de França diversos postais, hoje parte do espólio familiar.

Em França desde o início de 1917, a sua ficha de combatente e a sua caderneta em nada referem quanto às suas incumbências, pelo menos até Novembro. Porém, Maria Madalena recorda-se bem de seu avô Francisco contar que tinha sido impedido de um médico. Tratar-se-ia de João Baptista Nunes da Silva, tenente-médico do quadro permanente do Corpo Expedicionário Português, pertencente ao R.I. 22, onde era Chefe do Serviço de Saúde do Batalhão. Francisco terá viajado de Lisboa a Brest logo na companhia deste oficial médico. Na viagem, durante um período de muito mau tempo, toda a farmácia que ele tinha a seu cargo sacudiu e os frascos de vidro, onde se encontravam a maioria dos medicamentos, começaram a partir-se. Quando chegaram a França, devido à agitação da viagem, a única coisa que ainda se encontrava inteira seriam objectos de metal como as tesouras.

A mãe de Maria Madalena, que também escutou muitas histórias a seu pai, chegou também a contar-lhe que Francisco contava que o comandante gostava muito dele, querendo sempre o seu avô por perto, atrás dele, a cavalo. Pensamos que Francisco poderia estar a referir-se igualmente ao médico João Baptista, com o qual travou forte amizade, pois era comum os médicos necessitarem de se movimentar, acompanhados sempre dos seus impedidos, e sendo este oficial médico um «comandante» de homens, chefiando o Serviço de Saúde do R.I. 22.

A amizade de Francisco por este oficial médico torna-se bastante evidente quando Maria Madalena recorda duas memórias de seu avô. Uma delas foi a de que, quando Francisco, anos depois da guerra terminada, conseguiu saber do paradeiro do médico, tendo descoberto que o mesmo já falecera, teria mandado rezar uma missa por alma do seu protector e amigo. A outra seria a de que o médico em questão terá trazido notícias de Francisco e de seu irmão António, também em França, a Francisco Dias, pai dos rapazes. Assim, numa visita sua a Portugal, João Baptista terá encontrado o bisavô de Maria Madalena, trazendo-lhe cartas e informações do paradeiro de ambos. Um pormenor ressalta no entanto ao ouvinte mais atento. Francisco Dias terá combinado encontrar-se com o oficial médico em Abrantes, mas perdeu um dos transportes e, em ânsia pelas informações que ele trazia, terá ido a pé – e muito depressa - durante uma boa parte da recta final do caminho, o que o terá feito perder todas as unhas dos pés na caminhada, por causa das botas. Maria Madalena considera que o esforço e a estoicidade do bisavô, desejoso de saber dos seus rapazes, é dos testemunhos mais impressionantes que a família detém.

Este episódio poderá eventualmente ter ocorrido durante a licença que o médico teve em Setembro de 1917. Contudo, essa mesma licença de campanha deverá ter transformado a vida de Francisco e o seu dia-a-dia no Front, sendo transferido para o Depósito de Material da Base a 23 de Novembro. O objectivo era claro. Ali poder-se-ia utilizar a sua profissão de sapateiro, colocando-o a trabalhar nas oficinas auxiliares da Secção de Fardamento.

Francisco terá retornado à companhia do seu batalhão pouco tempo depois, a 7 de Dezembro. As razões da súbita mudança de planos surgem plasmadas na sua ficha de combatente, hoje à guarda do Arquivo Histórico Militar. Nela refere o Serviço de Estatística do CEP que o mesmo não se adaptou ao trabalho que ali necessitava fazer. Para isso poderá ter contribuído o facto de só existir, como ele dizia, calçado de má qualidade, entregue a todos os soldados e também aos oficiais. E se não continuou a exercer o seu saber naquelas oficinas, sempre contou aos seus netos que no Front as botas distribuídas eram todas mais ou menos do mesmo tamanho, tendo ele sido até algo popular entre os homens do seu regimento por conseguir arranjar as botas de alguns camaradas, e até do seu comandante e de outros oficiais. Isto porque existiam pés que ficavam a nadar dentro da bota e outros que mal cabiam, e Francisco lá dava o jeito de amaciar a bota ou ajustá-la melhor.

A 9 de Dezembro, Francisco encontrava-se já com o R.I. 22. Mas já deveria encontrar-se doente, pois baixa à Ambulância nº 3 no dia 20, poucos dias antes do Natal. Inicia-se aqui um período confuso e algo conturbado na vida de Francisco na Frente Portuguesa. A sua caderneta de combatente refere que durante o ano de 1918 Francisco terá tido a necessidade e o direito de usufruir de 90 dias de licença para convalescença e tratamento em enfermaria. Comprovamos isso na sua ficha de combatente. Antes mesmo que 1917 terminasse, já Francisco tinha percorrido várias unidades hospitalares, acabando mesmo por ser admito admitido numa grande unidade de tratamento inglesa.

Assim, e tal como já foi referido, dá entrada na Ambulância 3, estacionada em Vielle Chapelle, a 20 de Dezembro de 1917, sendo evacuado para o Hospital de Sangue nº 1 em Merville no dia seguinte. No dia 29 de Dezembro seguirá para o N. 32 Stationary Hospital, à época em Vimereux, onde permaneceu durante dois dias, seguindo então para o Depósito de Convalescentes nº 1. Receberia alta a 9 de Janeiro, regressando à sua unidade, onde se apresentou dia 29 de Janeiro. Ali iria permanecer até reingressar novamente no Serviço de Saúde do CEP, e uma vez mais como seu paciente, em Junho de 1918.

Desconhecemos de que mal ou males padeceu este combatente. Porém, sabemos hoje que a Ambulância 3 era considerada uma unidade modelar, apresentando importância acrescida por se tratar de um «posto avançado de cirurgia», especializando-se particularmente em operações abdominais. Além disso, recebiam ainda doentes vítimas de shock, ou seja, neuroses de guerra, bem como outro tipo de ferimentos, em particular os que necessitavam de tratamento ou correcção cirúrgica. A passagem para uma grande unidade hospitalar portuguesa, como o era o Hospital de Sangue, poderá indicar que o caso deveria ser grave e/ou complexo.

O paciente seria ainda evacuado para uma unidade de grande porte, mas neste caso britânica, desconhecendo-se a razão de ter passado do Serviço de Saúde do CEP para o do BEF. Isto porque, apesar da existência dos Hospitais da Base portugueses, bem como o do Hospital da Cruz Vermelha Portuguesa, podemos verificar que os médicos consideraram que Francisco necessitaria de cuidados numa unidade médica pertencente aos aliados. Unidade essa bastante conhecida dos portugueses, tendo ali sido atendidos muitos combatentes nacionais, entre 1917 e inícios de 1919. E nela trabalharam ainda diversos membros do Serviço de Saúde do CEP, maioritariamente cirurgiões, constituindo uma unidade médica autónoma, elogiada e muito reputada entre os seus colegas britânicos.

Francisco não tomaria parte no 9 de Abril. Sabemos no entanto que o seu regimento terá tido um importante papel nas insubordinações ocorridas alguns dias antes, em especial na revolta do R.I. 7 a 6 de Abril. Estava então em Ferme du Bois. Recebeu a ordem de rendição e foi encaminhado para a rectaguarda. Quando os Alemães atacaram as trincheiras portuguesas, Francisco e os outros elementos do seu batalhão já não se encontrariam nas mesmas.

O R.I. 22 foi então reorganizado, como todos os outros batalhões, pertença do Corpo Expedicionário Português em França. Desconhecemos onde terá estado e o que terá feito então Francisco durante esses dias conturbados na Frente Portuguesa. A sua ficha de combatente mencionará apenas os eventos ocorridos a partir de Junho de 1918, quando a 11 volta a baixar a um hospital. Uma vez mais é internado numa unidade hospitalar inglesa, o Nº 32 Stationary Hospital, situado em Aire, que teria conseguido agregar alguns membros do Serviço de Saúde do CEP, nomeadamente da Ambulância nº 1. As razões do internamento não são referidas. Será transferido para o Hospital da Base nº 1, unidade portuguesa estacionada em Ambleteuse a 13 de Junho. As dúvidas quanto às maleitas de que padeceria e o porquê da transferência permanecem…

Desta forma, não sabemos se a causa seria nova ou a mesma que o levara a ser internado apenas alguns meses antes. Será a este período de internamento que se refere a sua caderneta de combatente, quando menciona 90 dias de licença para convalescença e tratamento em enfermaria. Francisco é julgado incapaz de todo o serviço em junta médica cuja sessão ocorre a 20 de Junho no Hospital da Base nº 1. Avaliado por médicos portugueses, dois dias depois terá alta. Determina-se que regressará a Portugal. Todavia, a viagem ainda demora, pois só segue para o local de embarque a 15 de Julho de 1918. A espera continuaria a ser longa. Embarcaria finalmente de regresso à pátria a 26 de Julho de 1918, retornando a bordo de um navio hospital inglês, provavelmente o Dunluce Castle.

Repatriado para Portugal, Francisco é submetido a uma nova junta médica. Já em Lisboa, e uma vez observado por médicos – talvez no Hospital Militar da Estrela ou no Hospital Provisório da Junqueira –, foi-lhe concedida baixa por incapacidade física em Outubro de 1918. Não regressaria a França, e a guerra terminaria entretanto a 11 de Novembro daquele ano.

Liberto do serviço militar e da guerra, pese embora ainda estivesse doente e em convalescença, Francisco retornaria à sua vida e a Mouriscas, de onde tinha saído tantos meses antes. Pelo caminho teve passagem obrigatória no seu quartel em Elvas, onde se apresentou a 30 de Outubro de 1918. Ali lhe rectificaram a caderneta militar, e ali lhe removeram da mesma doze requisições de transporte. Francisco não mais necessitava delas. Tinha recebido já baixa de serviço e não mais regressaria à vida militar.
De volta a Mouriscas, casaria com a namorada, a sua amada Ludovina, retornando à sua profissão de sapateiro. Foi ainda lavrador e comerciante, e de tudo fez para, junto da esposa, criar e educar os seus 7 filhos. Não obstante o amor e a felicidade do casal, que se mantivera junto apesar da distância, passariam ainda pela dor de, ao longo da sua vida, perder dois filhos. Ao contrário da sua vida, pois Francisco viria a falecer em Lisboa com 90 anos.

Quando Francisco regressa a Mourisca, em breve encontrará o seu irmão António Dias, também ele combatente no Regimento de Infantaria nº 22 e seu camarada de sucessos e infortúnios em França. O percurso deste seu irmão é menos complexo mas também mais desconhecido. A sua sobrinha-neta recorda no entanto que era mencionado sempre nas histórias do avô Francisco. Afinal de contas, António entendia o seu irmão, conhecia-lhe as ânsias, os medos, as lembranças. Tinha vivido o mesmo ambiente de guerra nas trincheiras. Tal como outros jovens da zona de Mouriscas, alguns possivelmente seus familiares.

Maria Madalena desconhece quantos homens daquela freguesia foram à guerra. Um tio referiu-lhe sempre que outro irmão do seu avô, de nome Joaquim Dias, também lá estivera. Contudo, o único Joaquim Dias que encontrámos em Mouriscas possui outra filiação, paterna e materna. Também ele fez parte do R.I. 22, embarcando com Francisco e António naquele frio dia de Janeiro de 1917. Quem sabe seria algum primo seu. Tal como poderia ser primo deles um outro combatente, Joaquim Dias Raposeiro, também proveniente de Mouriscas e desaparecido a 9 de Abril de 1918. Foi encontrado tempos depois, já na Alemanha, no sofrimento e na agrura do seu cativeiro entre os inimigos.

Quanto a António Dias, também ele mencionado por Maria Madalena, e também ele patente no espólio fotográfico da família, junto a seu irmão Francisco, uma vez chegado a França, tornar-se-ia mais uma praça no front, mais um português do R.I. 22 nas trincheiras portuguesas em França. Posteriormente a 9 de Abril de 1918, que sabemos não ter combatido porque o seu regimento foi evacuado anteriormente, será colocado durante alguns meses a prestar serviço no Quartel-general da Base. O que fez ao certo, desconhecemos. Mas ali se encontrava entre 16 de Agosto de 1918 e finais de Setembro, altura em que foi decidido que regressaria a Portugal. Desembarcou em Lisboa a 4 de Outubro de 1918 e regressou a Mouriscas para, também ele, seguir com a sua vida, na companhia de seus pais e seus irmãos.

Francisco Dias era o contador das memórias de ambos. Recordava Francisco a sorte dos filhos da sua terra. Contava que dois outros conterrâneos, que não desejavam ser mobilizados, de tudo fizeram para não partir para a recruta. Um deles terá atingido um dedo, o outro chegou mesmo a tentar inutilizar uma mão colocando um dedo na nora, para que a mesma o cortasse ou esmagasse. Ao que parece terá sido relativamente bem sucedido, pensando que conseguiria escapar… Mas não escapou. Ninguém escapou, dizia Francisco. Foram todos à guerra, como ele. Com ele… E todos passaram pelas mesmas atrocidades, que anos depois ele recordava e contava aos seus netos.

Das suas memórias Maria Madalena recorda muitos e interessantes pormenores. Francisco dizia que todos tinham passado muita fome e muito, muito frio. Os alemães não prestavam, dizia. Chegava mesmo a afirmar à neta, em tom de brincadeira: “Ó filha, eles não podem ser boas pessoas, porque eles até ao falarem lhes falta o ar!”.

Lá no front caminhava-se imenso. Mas nas trincheiras passavam longo tempo sem se mexer. Recordava uma altura em que estivera nas trincheiras três dias, totalmente imóvel, uma sensação terrível que não era nada boa de recordar. Nessas e em outras alturas Francisco chegou mesmo a deitar-se por cima de uma toalha, dizia, que congelava com facilidade. Talvez se referisse a algum pequeno cobertor de campanha, pequeno e que nada tapava. Mas a realidade é que, como nevava muito, de manhã a toalha parecia uma pedra porque congelava.

A convivência com os civis franceses, em particular com as mulheres, também era recordada. Talvez em jeito de brincadeira, Francisco contava que, de certa maneira, existiam momentos em que se parava a guerra para as senhoras francesas colocarem as trelas nos seus cãezinhos e saírem com eles a passear. Contudo, notório mesmo seria o facto de que os campos em França, nas zonas perto da frente, eram todos trabalhados por mulheres e anciãos, os únicos que ficaram, visto que os homens tinham também partido para a guerra. Com eles tinham levado a maioria dos cavalos, asnos e burros, razão pela qual os civis utilizavam os cães para ajudarem nos trabalhos do campo.

Francisco contava também – e seus netos brincavam muito com este assunto! – que os soldados eram por vezes recebidos em alguma quinta ou casa perto da frente, e quando eram recebidos por essas senhoras francesas, elas davam-lhes logo um copo de vinho. Encontrando-se na rectaguarda a descanso, recordava igualmente uma altura em que numa sexta-feira, provavelmente Sexta-Feira Santa, umas francesas foram levar a Francisco e a outros homens carne que tinham consigo, para que eles comessem. Sendo eles muito religiosos – Francisco pelo menos assim o era, e devemos deduzir que seu irmão também – não podiam aceitar esta caridosa oferta, tendo agradecido muito por ela mas explicado que não podiam comer carne naquele dia. Elas terão compreendido, indo embora para retornar tempo depois com batatas, que eles comeram sem colocar nenhuma outra objecção.

Também os postais e talvez alguma carta, hoje perdida, mencionassem estes episódios, depois igualmente recordados pela avó materna de Maria Madalena. Se Francisco falava no tempo da guerra, a avó falava do namoro por correspondência, bem como do medo que tinha de perder o seu amado lá longe, na guerra. As cartas e postais só chegavam três semanas ou um mês depois, e todos sabiam dos perigos da censura. E as notícias vinham sempre visadas pelos serviços de censura, contendo em todas uma assinatura que não era a dele.

Como já se sabia que isso iria acontecer, os namorados separaram-se já em posse de um código, que surgiria depois patente na correspondência, tal como a sua avó contava. Um exemplo recordado era a frase «Isto aqui é muito bonito. É como a zona de entre serras» que, na verdade, era a zona da aldeia do pior e mais horrível que podia existir. Assim, a avó recebia a carta e já sabia que a vida lá, por terras de França, lá na guerra, era uma vida horrível. O código funcionava, e concedia à futura esposa informações sobre o namorado. Servia todavia para deixá-la igualmente preocupada.

Talvez se deva concluir que nunca saberemos exactamente pelo que passaram Francisco, António e os homens da sua terra. Já quem cá ficava, nas aldeias, povoações e cidades, temeria sempre pela vida dos que foram enviados para as linhas. Portugal enviaria muitos homens para os teatros de operações de África e França. Estes dois irmãos, que rumaram em Janeiro de 1917 para França, a bordo de um navio, sem nunca terem saído da sua terra natal, foram apenas dois, que uma neta orgulhosa resolveu agora recordar, partilhando connosco as memórias da sua própria infância.

 

Informação Adicional

Autor - Relator
Margarida Portela
Testemunha - Contador
Maria Madalena Dias Marques Contente

Intervenientes

 

Nome
Francisco Dias Júnior
Cargo
Soldado
Nome
António Dias
Cargo
Soldado

Teatros de Guerra

 

Teatros de Guerra
França

Mais informações

 

Data do início da história
1916
Data do fim da história
1918

Direitos e Divulgação

 

Entidade detentora de direitos
Instituto de Historia Contemporânea da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova Lisboa – Portugal
Tipo de direitos
Todos os direitos reservados
Link para acesso externo
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