Francisco Lopes Parreira e o seu cartão de sócio da Liga dos Combatentes de Santarém

Maria Anália Gomes recorda-se bem do seu avô materno. Desde pequenina que lhe ouvia as histórias do tempo em que foi combatente em França, durante a Grande Guerra. Dos seus 18 meses no Front, o avô Francisco trouxe memórias e algumas palavras em francês, que ensinou à neta. E Maria Anália Rosário Gomes recorda-se muito bem das mesmas: tenho fome - «j'ai faim»; faz frio - «il fait froid»; eu quero pão - «je veux du pain»; eu quero água - «je veux de l'eau». Tudo expressões que os combatentes precisavam ou deveriam saber, como a própria neta de Francisco refere, para conseguirem sobreviver num meio inóspito e desconhecido como o era a trincheira, e numa terra da qual desconheciam a língua, os usos e as tradições.

Francisco tinha muito orgulho do papel que representara naquele conflito, e contava as agruras da vida no Front à sua pequena neta. Não todas, claro, pois a idade da mesma não permitia que soubesse de tudo. E nem um combatente consegue abrir a alma e falar da guerra com todas as palavras e com todas as letras. Mas era um homem de fibra.

Bem certo que Maria Anália Rosário Gomes sabe que era um homem de pouca instrução, serrador de profissão, e homem que nunca se deixou abater pelas dificuldades, mesmo depois de ter experienciado um conflito bélico daquela envergadura. Aliás, e como a mesma conta, quatro anos antes de falecer, tinha já Francisco a belíssima idade de 86 anos, sendo já viúvo há mais de dez, deixou cair um balde no poço enquanto tomava conta da sua horta. Desejando resgatar o mesmo, mas não contando com o lodo que se encontrava no fundo, ali colocou uma escada, só que esta começou a afundar. Consequentemente, Francisco ficou preso e com água até à cintura. Ali ficou, dentro do poço, incapaz de sair por si mesmo, das 10 horas da manhã até às 8 horas do dia seguinte, quando um vizinho o ouviu e o ajudou. Sua neta diz que Francisco nunca desesperou. E quem sabe não se recordou dos tempos que, quando jovem, viveu nas trincheiras situações igualmente perigosas. A trincheira… Esse local tenebroso que, como o lodo, tragava vidas, enterrando homens nas suas lamas e águas.

Francisco também não esquecia jamais os seus camaradas. Todos os anos ia a Santarém, distrito onde nasceu e viveu, para assistir às cerimónias de evocação do 9 de Abril de 1918 promovidas pela Liga dos Combatentes, da qual era sócio. Fazia-se então um almoço na Escola Prática de Cavalaria, para depois seguirem todos em romagem ao monumento dedicado aos Mortos da Grande Guerra, situado nas Portas do Sol. No ano em que ele faleceu, em 1987, Maria Anália Rosário Gomes avisou a Liga dos Combatentes de Santarém do sucedido, sendo então amavelmente convidada pelos seus responsáveis para comparecer nas cerimónias anuais do 9 de Abril, representando o seu falecido avô. No funeral de Francisco Lopes Parreira teve ainda a surpresa, que muito a emocionou, da presença do presidente do núcleo da Liga dos Combatentes, que levou uma bandeira nacional, a qual cobriria o caixão do falecido, homenagem singela, mas tocante, daquele núcleo de combatentes de Santarém. 

Maria Anália Rosário Gomes lamenta hoje não ter aproveitado melhor estas memórias de Francisco, já em idade adulta, para poder questioná-lo mais e recordá-las melhor. Quem sabe que pormenores mais poderia Francisco ter-lhe contado, e que mais poderia Maria Anália Rosário Gomes ter aprendido. Porém, o orgulho que tem do seu avô é inquebrantável. E a sua voz segura e rosto sorridente não escondem, apesar de tudo, a tristeza de já não o ter por perto, à sua espera, na pequena aldeiazinha, para poder usufruir mais da sua companhia e partilharem a camaradagem e carinho que tinham enquanto avô e neta.
 
 
 

Informação Adicional

Autor - Relator
Margarida Portela
Testemunha - Contador
Maria Anália Rosário Gomes

Intervenientes

 

Nome
Francisco Lopes Parreira
Cargo
Soldado

Teatros de Guerra

 

Teatros de Guerra
França

Direitos e Divulgação

 

Entidade detentora de direitos
Instituto de Historia Contemporânea da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova Lisboa – Portugal
Tipo de direitos
Todos os direitos reservados
Link para acesso externo
http://www.portugal1914.org/portal/pt/memorias/historias/item/7875-francisco-lopes-parreira-e-o-seu-cartao-de-socio-da-liga-dos-combatentes-de-santarem

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