Do pavio de um isqueiro às acendalhas da Memória – a história do soldado do Corpo de Artilharia Pesada Luiz Marques Pinto

Rui Pedro de Almeida Soares visitou a Assembleia da República durante os Dias da Memória, trazendo-nos um pouco da história do seu bisavô, que nunca conheceu, mas do qual se guardaram diversas fotografias e objectos. Do mesmo pouco se sabe, mas os objectos foram ficando na família, e Rui foi conservando os mesmos. Como o próprio diz, "eram consideradas as coisas velhas que estavam lá em casa, e que eu acabei por guardar". Acabaram por ser as únicas recordações deste combatente português na Frente Ocidental e, entre elas, podemos vislumbrar as suas únicas fotografias.

Luiz Marques Pinto (Luiz com "Z", como o seu bisneto faz questão de referenciar), foi militar do CAP durante a Grande Guerra. O Corpo de Artilharia Pesada (CAP) permanece uma unidade muito pouco conhecida em Portugal, num país que, em muitos casos, desconhece ainda a participação nacional no conflito ou a existência de soldados a combater em África durante a conflagração. Tanto quanto se mantem ainda desconhecedor da criação do Corpo Expedicionário Português (CEP), unidade à qual o CAP de Luiz Marques Pinto se encontrava relacionado.

Reservado por natureza, Luiz não falava na sua participação no conflito. O pouco que Rui sabe sobre o bisavô foi-lhe transmitido pela filha de Luiz, sua avó, que lhe contava que o combatente chegou a referir a muita fome que passou, em que chegaria mesmo a comer beterraba crua para saciar o estômago. A guerra era algo horrífico, bem como complicada de se viver. Os soldados, diria ainda este combatente, tinham de fazer buracos para se esconder, buracos na terra. Eram as trincheiras, visão que muitos nunca conseguiriam esquecer...

Somente com a documentação podemos conhecer um pouco mais deste militar. A sua ficha individual, guardada no Arquivo Histórico Militar, revela que o soldado nº 203, com a placa de identidade 38630, e pertencente ao Corpo de Artilharia Pesada, partiu para França em 21 de Agosto de 1917 como parte do 2º Grupo, 4º Bateria [do CAP]. Terá desembarcado em Brest poucos dias depois e, de França terá sido enviado para Inglaterra, como o foram muitos elementos do Corpo de Artilharia Pesada, para obterem treino com os britânicos, aos quais se encontravam relacionados e com os quais trabalharam no Front. A ficha refere o desembarque em Inglaterra a 12 de Setembro daquele ano e o regresso a França em 2 de Março de 1918.

Luiz só regressaria a Portugal largos meses depois, a 15 de Abril de 1919, a bordo do Northwestern Miller, conjuntamente com os companheiros da 9ª Bateria de Artilharia Pesada. Desembarcaria em Lisboa 4 dias depois.

A caderneta, que também apresentamos, adiciona mais alguma informação. Nascido em 1893 em Negrelos, freguesia de Travanca de Lagos, concelho de Oliveira do Hospital, Luiz foi recrutado em 4 de Agosto de 1913, para servir no exército até à idade de 45 anos, como era comum aos jovens da sua época. Adstrito ao contingente de Coimbra, foi o primeiro a apresentar-se no Regimento de Artilharia nº 2, sendo incorporado no seu batalhão a 15 de Janeiro de 1914.

A partir deste momento começava o percurso de Luiz Marques Pinto rumo a França. Passou ao Batalhão de Artilharia de Guarnição a 13 de Abril de 1914 e fez a instrução de recruta, terminada a 31 de Maio. Continuou no serviço efectivo por mais um ano, contado a partir de 5 de Junho. A sua continuação ao serviço do Exército Português foi estabelecida por sorteio, à época um meio muito comum, sendo que nem todos os recrutados continuavam a prestar serviço. O sorteio determinava, entre os elegíveis, prontos da instrução, quem ficaria vinculado por mais tempo, licenciando os demais. Luiz só seria licenciado em 25 de Maio de 1915, regressando então a casa.

Como resultado deste ano de prestação de serviço militar, ficou dispensado de ir às Escolas de Repetição, aonde os jovens, prontos da instrução, iam recordar os ensinamentos militares, e que foram incrementadas no contexto da guerra europeia, pese embora Portugal fosse um país envolvido mas nem neutro nem oficialmente beligerante.

Em 6 de Setembro de 1915 acabaria por ser chamado para algum tipo de exercício ou recordatório, e voltaria a casa 10 dias depois. Contudo, pensava-se já no envio de homens para a Europa e acabaria por ser chamado ao Exército em meados de 1916, quando se preparavam as manobras de Tancos. Está presente a 1 de Julho de 1916 e é associado ao CAP do CEP, embarcando para França em 21 de Agosto de 1917.

Rui Pedro, seu bisneto, recorda ainda que o combatente Luiz voltaria padecente de um ferimento numa perna. Contudo, as circunstâncias em que foi ferido são totalmente desconhecidas, apesar de se referir que teve «outras licenças» por questões de hospitalização. Mas sabe-se que o combatente esteve em tratamento hospitalar, referindo-se na memória familiar que teria sido seguido posteriormente, já em Portugal, no Hospital de São José em Lisboa, apesar de ter ido domiciliar à sua terra natal, apresentando-se sempre às revistas de inspecção necessárias até 1934.

Rui Pedro de Almeida Soares sabe agora um pouco mais sobre o seu bisavô Luiz. Um pouco mais do que se sabia antes e talvez um pouco menos do que amanhã. O que os arquivos e os futuros trabalhos de investigação nos reservam, não podemos adivinhar. Mas, em posse da caderneta deste combatente, das suas fotos e postais, bem como da carteira e do isqueiro que seu bisavô provavelmente usou na guerra, Rui sente agora com mais força a sua presença e a sua voz, a voz da Memória, proveniente de outros tempos, já passados.

Informação Adicional

Autor - Relator
Pedro Cerdeira
Testemunha - Contador
Rui Pedro de Almeida Soares

Intervenientes

 

Nome
Luiz Marques Pinto
Cargo
Soldado CAP

Teatros de Guerra

 

Teatros de Guerra
França

Mais informações

 

Data do início da história
1914
Data do fim da história
1919

Direitos e Divulgação

 

Entidade detentora de direitos
Instituto de Historia Contemporânea da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova Lisboa – Portugal
Tipo de direitos
Todos os direitos reservados
Link para acesso externo
http://www.portugal1914.org/portal/pt/memorias/historias/item/7613-do-pavio-de-um-isqueiro

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