Memórias do Tenente Arnold Frank MacLeod, oficial do British Expedicionary Force junto do Corpo Expedicionário Português

O avô materno de Jonathan Weightman foi mais do que um mero oficial de ligação. Arnold Frank MacLeod foi também intérprete junto das forças do Corpo Expedicionário Português, intermediando assim nas questões burocráticas entre as forças portuguesas e o BEF (British Expedicionary Force). Jonathan pesquisou consideravelmente a vida do seu avô, pelo orgulho que dele tem, pela curiosidade e pela necessidade de compreender aquele seu familiar, e porque deve ao mesmo a sua vinda para Portugal, algo que nos chegou a contar durante a recolha de material que efectuámos nos Dias da Memória na Assembleia da República em Outubro de 2014.

Conforme a documentação obtida pelo seu neto e pelo nosso projecto, o Lieutenant (Tenente) Arnold Frank MacLeod, pertencia ao 5th Battalion do Middlesex Regiment, Special Reserve, unidade militar inglesa para a qual foi destacado em 1915. Era então 2nd Lieutenant. Mas deverá ter sido promovido durante a guerra, sendo já referido como Lieutenant em 1919-1920. Foi então determinado que se tornaria oficial de ligação junto do Corpo Expedicionário Português, mas acabaria por se tornar igualmente intérprete junto desta mesma unidade militar, pois detinha conhecimentos avançados em língua portuguesa que lhe permitiriam levar a bom porto esta mesma missão. 

Pertencente a uma família conservadora e muito religiosa de Aberdeen, na Escócia, Arnold foi educado de forma muito rígida. O seu neto deduz que, por causa disso, e também pelo seu carácter aventureiro, terá ido morar para o Brasil, fugindo assim ao ambiente familiar severo e em que sentia sufocado. A viagem tê-la-á feito já depois de frequentar o ensino superior, pois quando foi recrutado assumiria logo a patente de oficial, o que se devia ao facto de já ter passado pela universidade. Contudo, que curso fez ou se o concluiu é ainda algo que se desconhece.  

O que fazia do outro lado do mundo, é igualmente um tanto ou quanto misterioso para a sua família. A documentação determina que se terá dedicado à área bancária. O neto sabe que ele trabalhou como inspector bancário para o River Plate Bank e, consequentemente, terá viajado por todo o território brasileiro, visitando as sucursais e unidades bancárias regionais daquele banco inglês. Assim mesmo, Jonathan não sabe ao certo onde o avô se encontrava quando foi mobilizado, mas é indubitável que, ali, terá tomado o pulso à língua portuguesa. Com grandes capacidades para a aprendizagem linguística, não falaria apenas o português. O chinês era outra das línguas que também terá chegado a dominar.

Aquando da conscrição universal em Inglaterra, Arnold regressaria e seria então incorporado na sua unidade, efectuando alguns exercícios de treino em Londres. Quando os seus superiores souberam do seu conhecimento da língua portuguesa, colocá-lo-iam junto do CEP. Ao conhecer os locais onde estavam instaladas as tropas portuguesas, o seu neto refere que ele sentiu um enorme choque. Um dos aspectos que referia era o do alto índice de analfabetismo dos soldados portugueses. Todavia, outros aspectos eram igualmente realçados por ele, como a falta de aprovisionamento que as tropas portuguesas tinham, que necessitavam fazer muito com o muito pouco que detinham.

Instalado na Frente Portuguesa, o tenente Arnold Frank MacLeod relaciona-se muito bem com todos os elementos do exército português. Tal como contaria à sua esposa e à sua filha, que transmitiram anos depois as suas memórias ao neto, Arnold recordava-se bem dos soldados simples que ali conheceu, particularmente os do Minho e Trás-os-Montes, e a amizade que lhes ganhou. Porém, lamentava sempre as condições em que ali tinham sido colocados, sem qualquer tipo de preparação, dada pelas altas hierarquias militares portuguesas ou, posteriormente, pelas altas patentes inglesas, que nunca os quiseram lá mas, uma vez que os receberam, lhes prometeram tudo, do fardamento ao armamento, dos alojamentos à comida.

E o que estes homens receberam foi quase nada. O clima, a lama, a comida, tudo lhes era estranho. A alimentação era algo que recordava com frequência, pois os soldados portugueses consideravam-na horrível, não se abstendo de dizer isto na frente do próprio oficial do BEF. Além disso, detinha a forte opinião de que, na grande maioria, estes homens nem sabiam o que estavam a fazer naquela frente de guerra, desconhecendo verdadeiramente as razões pelas quais se encontravam em França a combater. De política, nada entendiam. Nem da sua nem da política internacional. A ignorância que detinham, que nunca considerou culpa sua, também não lhes foi minorada pelos seus oficiais ou pelos Ingleses. Assim, ali continuaram, nas trincheiras e boletos, sem nada entenderem verdadeiramente desta guerra europeia.

Quando questionado sobre histórias que o avô MacLeod contava, Jonathan Weightman recorda imediatamente uma, que as mulheres da sua família guardaram na memória, para anos depois lhe contarem. O tenente Arnold referia que, um dia, depois de estarem há algum tempo nas trincheiras, diversos soldados portugueses, mal abastecidos e pouco desejosos da ração fornecida pelos ingleses, escutaram pássaros a cantar e a sobrevoar a Terra de Ninguém. Talvez fossem tordos. Alguns ainda teimavam em voar por cima das zonas de trincheira, a caminho de algum abrigo num aglomerado de arvores mais distante. Coisa rara, ver pássaros ou árvores nas linhas destruídas da frente. Ao escutá-los, um grupo de portugueses terá pensado que conseguiria capturá-los. E assim, de madrugada, 4 ou 5 horas da manhã, um pequeno número de homens rastejou pela Terra-de-Ninguém, para ver se via onde andavam aqueles pássaros. Quando um dos soldados malogradamente decidiu disparar um tiro receberam do lado alemão uma saraivada de balas. Arnold contava que toda aquela situação o entristecera profundamente, bem como a forma como alguns tinham ficado feridos, tendo outros  chegado mesmo a falecer por causa deste insólito episódio.

Não obstante as dificuldades que via na vida portuguesa na Frente Ocidental, o tenente MacLeod via na praça portuguesa grande heroísmo, sentido de dever e uma enorme estoicidade.

Outro pormenor importante da vida deste oficial junto das tropas portuguesas foi o facto de, a 9 de Abril de 1918, durante a Batalha do Lys, se encontrar junto de um grupo de oficiais do CEP que sofreu um bombardeamento. Arnold terá sido então ferido num braço, tendo inclusivamente baixado a uma unidade britânica para tratamento. Tendo ficado afastado do cenário de guerra por cerca de dois meses, regressaria depois ao contacto com os portugueses do CEP, para ali permanecer até ao Armistício e ao subsequente final da guerra.

Terminado o conflito, em 1919, Arnold Frank MacLeod regressaria ao Brasil. Contudo, não era já o mesmo. A guerra deixara-o psicológica e fisicamente debilitado. Lamentavelmente escolheu um caminho que diversos combatentes tomariam depois da guerra, o do alcoolismo. Apesar de ter constituído família e de ter tido uma filha, o álcool acabaria por levar a melhor, falecendo em 1924, em São Paulo, devido à ingestão excessiva de bebidas alcoólicas. Foi encontrado sem vida num quarto de hotel.

Pelo seu papel junto do CEP, Portugal conceder-lhe-ia o título de cavaleiro da Ordem de Avis em Outubro de 1919. Jonathan Weightman refere que foi graças a essa condecoração que hoje vive em Portugal, pois a sua mãe, já depois da Segunda Guerra Mundial, divorciou-se do seu pai e decidiu que viria viver em Portugal. Amiga de Zélia e Zeca Afonso, foi imediatamente tida como «persona non grata» pelo regime português, que não via com bons olhos os desejos de viver em território nacional destes «revolucionários», «comunistas» ou «amigos das Esquerdas». Apercebendo-se que não lhe concederiam visto de permanência em Portugal, a mãe de Jonathan alegou então que tinha em sua posse o auto de condecoração do seu pai, Arnold Frank MacLeod, cavaleiro da Ordem de Avis, onde constava que os descendentes do condecorado tinham o direito de, para sempre, viverem em Portugal, e que, por tal, lhes seriam outorgados os mesmos direitos que aos cidadãos nacionais. Segundo Jonathan, isso só lhe trouxe problemas com a PIDE, mas a mesma finalmente conseguiu autorização para ficar a morar em Setúbal. Faleceria em 2013 com mais de 90 anos de idade.  

Na realidade, Jonathan nunca conheceu ou conviveu com o avô Arnold. Mas, pela sua avó, e depois pela sua mãe, viveu-lhe os passos, bem como visitou e viveu em locais onde o português imperava como língua de comunicação. Considera hoje que o passado conturbado do avô durante a guerra só trouxe infelicidade ao próprio, mas marcaria profundamente a história da família. Hoje vive em Portugal, onde também viveu sua mãe, e aqui pretende continuar pois, tal como o seu avô, refere sentir-se bem na companhia dos seus «irmãos» portugueses. 
 
 
 
 

Informação Adicional

Autor - Relator
Margarida Portela
Testemunha - Contador
Jonathan Weightman

Intervenientes

 

Nome
Arnold Frank MacLeod
Cargo
Tenente, Oficial de Ligação, Intérprete

Teatros de Guerra

 

Teatros de Guerra
França

Mais informações

 

Região
Aire-sur-la Lys

Direitos e Divulgação

 

Entidade detentora de direitos
Instituto de Historia Contemporânea da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova Lisboa – Portugal
Tipo de direitos
Todos os direitos reservados
Link para acesso externo
http://www.portugal1914.org/portal/pt/memorias/historias/item/7877-memorias-do-tenente-arnold-frank-macleod-oficial-do-british-expedicionary-force-junto-do-corpo-expedicionario-portugues

Objectos Relacionados

Arnold Frank MacLeod antes de ir para França

Arnold Frank MacLeod em França, com um grupo de oficiais do BEF

O tenente Arnold Frank MacLeod com o seu middlesex kilt

Documentos militares pertencentes a Arnold Frank MacLeod

Registo da condecoração militar portuguesa atribuída a Arnold Frank MacLeod

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